25 dezembro 2007
Ria, seu sem-vergonha!
19 dezembro 2007
Valdice, a minha vó que veio da fazenda Quixaba (parte II)
Voltando para a vida concreta, sabe-se que ele mudou ainda pequeno para Santos, onde cursou o primário. “Também veio menino”, pontua Valdice. Seu pai era técnico de máquinas. “Largou a minha sogra lá (em Pelotas). Acho que depois ele se arrependeu e mandou minha sogra vir”, supõe. Chamava-se Carlos Espinoza, que trabalhou na Singer em Santos durante muitos anos, na rua Martim Afonso. Era casado com Antônia Brim Espinoza, costureira de cortinas e minha bisavó, falecida em 2003. “Esse sobrenome, o Espinoza, vem da Espanha. O pai do meu sogro, do Carlos, era espanhol, mas não me lembro do nome”, conta minha avó. Os personagens em questão são meus tataravôs, o casal Alfredo Espinoza e Maria Balbina Espinoza. Enquanto isso, a minha bisavó Antônia era a filha de Agenor Brim e Elisabeth Garcia Brim.
Jorge e Valdice namoraram por dois anos, aos quais se somaram mais dois anos de noivado. Se casariam em 1959, na Igreja do Embaré. Para poder namorá-la, precisou do consentimento até dos patrões da “casa de família”. Como era o namoro? “Ele me buscava em casa, todo domingo a gente ia para o cinema. Era o Roxy, o Atlântico”. Só bem depois de casados Jorge levou Valdice à Pelotas, para conhecer a “sua terra”. Em 1973, depois de um desentendimento, saiu do banco. Aliás foi graças a uma indenização do banco que a viagem à Pelotas foi possível. Chegou a trabalhar como fotógrafo e representante de distribuidora de bebidas. Morreu em 1982.
Bianca, a primeira filha do casal, estudou no colégio Canadá, mais tarde no Avelino da Paz Vieira, onde cursou o colegial. Cursou Administração no CEUBAN (Centro Universitário Bandeirantes), com auxílio de crédito educativo. “Eu comecei a pagar, mas não tínhamos mais condições, por isso pedimos o crédito”, conta Valdice. Em 1982, Bianca se formou. No mesmo ano, o Corinthians havia sido campeão paulista de futebol. Mas, o corintiano Jorge não viu nada disso. Meu avô era torcedor do time do Parque São Jorge, mas tinha um álbum com recortes do Santos de Pelé, bem documentado e rico em informações e fotos. Parece incoerente, mas, é mais uma pérola sua. Esse álbum existe até hoje. E eu, mesmo sendo bom santista, o admiro certo de que meu vô corintiano foi um apaixonado pelo futebol, acima de tudo, inclusive de camisa de time. “Ele conhecia o Pepe, o Pelé, essa turma toda. Quando ele foi trabalhar como fotógrafo particular acabou tendo contato com esse pessoal”. O que ele mais gostava de fazer? “Tocar violão, cantar e sair à noite”, diz. Vocês continuaram a sair depois de casados? “Algumas vezes, depois tínhamos as filhas para criar, muito trabalho, né?”.
Minha vó guarda boas lembranças dos carnavais antigos. Principalmente da época de solteira. Lembra que todo mês de novembro já saíam as letras das marchas do próximo carnaval. “Todo mundo comprava as revistas, para aprender as marchinhas”, diz. “Íamos para o teatro, o Coliseu, era lá o carnaval, o baile, o lança-perfume jogado nas nucas, as pessoas se divertiam bem, não é como hoje, essa baixaria”. O melhor carnaval, aquele inesquecível para ela, foi o vivido em São Sebastião. Mas, com o Jorge, não teve muito carnaval, não. Porque chama o vô de safado, vó? “Não, não é assim tão safado. É que a mulherada dava em cime dele, e ele gostava de sair até mais tarde com o violão, depois voltava de madrugada assobiando”.
Mas, as maiores saudades não são dos carnavais nos recantos urbanos do sudeste brasileiro. Quando fala da fazenda lá de Quixaba, Valdice não fala como quem conta um tempo de dificuldades. Reconhece que tinham o alimento necessário, os leites e derivados retirados na fazenda, além de uma plantação de mandioca próxima a um rio. Havia cana também e se fazia farinha, vendida nas feiras. Em janeiro de 1986, pisou novamente no Sergipe, acompanhada da terceira filha, Cláudia, na época com 17 anos. Manteve nesse tempo todo, desde a infância, o contato com os parentes de lá. D. Maria Emília, a incentivadora da migração, morreu jovem, vitimada por um câncer de útero, em 1964, aos 48 anos. Está enterrada na Vila Formosa, em São Paulo. José Francisco viveu até setembro de 1986, quando faleceu com 77. Foi enterrado no cemitério da Areia Branca, em Santos. Eu só tinha 3 anos, mas lembro do seu chapéu e cachimbo, quieto na área de serviço.
Como foi a recepção em Itabaiana para a senhora e a tia Cláudia em 1986? “Foi aquela festa. Eu saí de lá com 13 e só voltei com 50 anos”. Houve até faixa, feita pela “parentada”, para a prima nascida em Santos, que dizia: “modelo de Santos”. Valdice achou que a cidade expandiu bastante. Lembra que gostava de comer fatada de carneiro, uma espécie de buchada, na infância. Mas, em 1986, o carneiro agrediu o estômago: muito tempo se passara e o corpo já desconhecia aquelas iguarias. A rapadura continua sendo bem-vinda. Até hoje, foram quatro retornos à terra natal. E a quinta, quando será? “Não tenho mais vontade de pegar estrada”.
Aos 72 anos, suas lembranças mais fortes são algumas saudades bem distantes. Quem a conhece diz que é uma pessoa prática, de muita correria, inquieta quando fica apenas descansando. Gosta de coisas práticas. Pouco guarda documentos e fotos. Mas, ninguém deixa de lembrar suas idiossincrasias, sua história, seu esforço para sustentar três filhas, viúva. Lembro que me criou, ao lado do meu irmão, durante boa parte da minha infância. Depois de crescido, ainda morei dois anos com ela. Sempre se dedicou com carinho aos netos, bem naquele estilo da vó que se amolece um pouco mais com os netos, quando comparada ao relacionamento com os próprios filhos.
Fiquei pensando em mil coisas. E se ela não tivesse vindo com a sua mãe? Se tivesse ficado lá na sua fazenda Quixaba? Podem até dizer que as lembranças da infância sempre serão mais doces, do mesmo jeito que lembramos das coisas, das construções, como se tivessem sido maiores quando éramos pequenos. Mas, quando minha vó falou da fazenda dos seus oito anos, ela me pareceu um lugar melhor de se viver. Perguntei, ao final da entrevista, se havia e qual teria sido o dia mais feliz da sua vida. Ela desviou: “Olha, já deve fazer tanto tempo, que eu nem sei mais”. Guardei suspeita. Acho que foi algum dia na Quixaba, perdido nas lembranças mais profundas do seu passado, naquelas terras de pastos verdes, rios, casa grande e terra firme que até Lampião já pisou. No outro dia, mandou me dizer que arrumara uma resposta. Era um arranjo, mas só reforçava a minha antevisão, quase joão-biduriana. Dizia: “pode colocar aí que foi o dia que eu pisei de novo na minha terra”. Está posto, vó.
15 dezembro 2007
Valdice, a minha vó que veio da fazenda Quixaba (parte I)
Valdice de Jesus Espinoza é minha avó, que nasceu em uma fazenda, a fazenda Quixaba, a casa com grande jardim na frente, propriedade do seu avô, João Batista Maciel. Município de Campo do Brito, interior sergipano. Só partiu para outro lugar quando completou oito anos. A “cidade grande” tinha nome: Itabaiana. Na década de 40, era uma cidade pequena do Sergipe, mas foi capaz de gravar na sua memória a escola que freqüentou até a 3ª série. A Escola Professor Bezerra de Menezes, “que ainda está lá até hoje, com o mesmo nome”, garante. Antes da grande cidade de Itabaiana, onde morou 5 anos até partir novamente aos 13, trabalhou na lavoura da Quixaba. “Na fazenda a gente plantava milho, algodão, feijão, mandioca. Vendia em forma de troca por outros produtos. Quer dizer, tinha uma parte que era para nosso sustento e outra que vendíamos para comprar carne, outras coisas da cidade”, conta. A fazenda ainda existe? “Não sei se ela existe mais”.
Mas, não foi parar em Itabaiana por vontade própria, a motivação foi a “cisma” de sua mãe, a Maria Emília de Jesus, que tinha outros planos para a família, sempre prevendo um destino muito além das cercas da Quixaba sergipana. A cismada mãe “mandou” seu pai, o José Francisco dos Passos, ir para São Paulo, enquanto o restante da família foi para Itabaiana, para estudar, sob as rédeas da matriarca Emília, uma pioneira no Sergipe e a bisavó que não conheci. Conta-se, como um de seus feitos mais polêmicos, o fato de ter sido a primeira mulher das redondezas a montar cavalo como homem, igual aos “caba macho do sertão”, de pernas abertas sobre a sela. Deve ter se inspirado nas histórias do bando de Lampião e Maria Bonita que no passado pousara e banqueteara na Quixaba. “Acho que minha mãe já nasceu com umas idéias mais adiantadas. E meu pai não apitava nada, era ela quem mandava”.
Valdice não herdou o sobrenome Passos do pai. “Lá, só é dado o nome do pai se os seus pais são casados no civil, mas a minha mãe casou só na igreja”. José dos Passos também não nasceu em Campo do Brito ou Itabaiana. Veio de Macambira, uma “cidadezinha pequenininha”. Quando fez a vontade de D. Emília em 1947, e se foi para São Paulo, começou trabalhando na construção civil. No caminho passou pela capital e seguiu direto para o litoral, para Santos, onde logo arrumou emprego como carpinteiro.
Teve quatro irmãos ao todo. Depois do pai ter partido, depois de 1947, ouviu seguidamente D. Emília dizer que iriam acompanhar José. Partiriam para Santos em breve. “Ela não queria ficar lá no nordeste”, lembra. Ainda tentando atrapalhar os planos da mãe, escreveu carta ao pai, revelando os planos de D. Emília, que ficou tiririca, e a encostou na parede. “Você vai se ver comigo se escrever outra vez!”. Embora as irmãs de Emília a caçoassem, achando que era delírio aquela história de se mandar sem eira nem beira para São Paulo, o destino da família estava traçado poe sua mãe. Dois anos após José ter iniciado sua retirada, foi a vez da matriarca e seus filhos. Assim, minha avó teve de deixar para trás até Adalberto, filho de dono de cartório com quem teve um “namorico”. Com apenas 13 anos subiu num pau-de-arara, obediente à mãe, que vendeu tudo que tinham para a viagem que os levariam para longe de Sergipe. Depois de São Paulo, mais um trecho, e desembarcaram em 13 de março de 1949 na estação do Valongo, na Baixada Santista. José Francisco ainda murmurou na chegada da esposa: "Mas, Emília, porque vocês vieram, meu Deus?".
Por volta de 1950, muitos nordestinos haviam feito a dura travessia que se destinava a desembarcar em São Paulo ou adjacências e, inevitavelmente, num incomum caminho por terra, em cidades como Santos, exatamente a cidade-chegada de tantos imigrantes que vieram do além-mar para o Brasil. Descendo o Nordeste, “os caminhões vinham cheios, chapados”, como lembra minha avó. O próprio caminhoneiro do pau-de-arara que a levara para São Paulo fazia a mesma viagem todo mês, com o caminhão sempre cheio dos que deixavam as suas Quixabas para trás.
Quando chegaram em Santos, Maria Emília e os filhos se estabeleceram em um alojamento da firma que José trabalhava. Cada empregado tinha seu cômodo. Enquanto isso, o mestre-de-obra da construção em que José estava empregado vinha construindo um chalé no morro da Nova Cintra. Chalé pronto e, vinte dias depois, foram para lá morar. Depois, veio a vez do morro do Pacheco, onde nasceu a sua irmã Vera Lúcia, em 2 de maio de 1950. “O Carlinhos nasceu em 5 de outubro de 1952, quando morávamos na rua João Pessoa”, recorda. Sobre as primeiras moradas, como no morro da Nova Cintra, lembra: “Faz anos que não subo por ali, mas a casa era logo na subida, não existiam tantas casas no morro na época. Santos era cheia de bondes, para tudo era bonde e o centro da cidade já era grande”. Por entre bondes, minha vó guardava consigo a saudade da sua terra. “Por mim, eu tinha voltado na mesma hora”, garantiu.
Em Santos não estudou mais, logo arrumaram trabalho, inclusive para as crianças. “Era para catar café, a gente catava para exportarem o café bom”. Nos armazéns, rodeada de outras crianças, ás vezes precisava esconder-se, porque o Juizado de Menores não permitia crianças naquele ambiente, porque o cheiro do café era muito forte. “Trabalhei assim bastante tempo, até o Juiz dar em cima e minha mãe tirar a gente”, diz.
Com o trabalho nos armazéns proibido, foi trabalhar em “casa de família”. Primeiro na rua São Francisco, na casa do Dr. Antônio Augusto Ramos, “um oculista”. Depois, em um aviário, “mais na parte doméstica”, ressalta. Mais tarde, voltou a trabalhar com a família do Dr. Antônio, dessa vez na rua Barão de Paranapiacaba, perto do Hospital Ana Costa. “De lá, fui trabalhar em outra casa de família, da família Lobo Viana, na rua Anália Franco. Lá eu trabalhei por 8 anos, saí de lá para casar”. Foi na época em que trabalhou na Anália Franco que viajou à São Sebastião, para pular o carnaval na casa dos patrões, carnaval que lembra até hoje. Nessa época, também fez o curso de Corte e Costura. Entrou na casa dos Lobo Viana com 15 anos e saiu com 23, “para casar”. Enquanto trabalhava freqüentou, na avenida Rodrigues Alves, as aulas da Escola de Corte e Costura São Geraldo. “Eu que fui atrás, me formei e depois que casei me tornei uma costureira profissional, com muita freguesia, trabalhando em casa”, relembra.
Quando se casou, os pais já não estavam mais em Santos. Tinham ido para São Paulo, “foram morar lá no Jaçanã”. Ainda lembra quando um jornal noticiou que a cidade de Santos seria inundada, seria arrasada e que o mar tomaria conta de tudo. “A minha mãe ficou morrendo de medo, disse que não ficava aqui, não. Eu não quis ir para São Paulo. Foi todo mundo, menos eu”, diz corajosa.
Na capital, Maria Emília também costurava, trabalhava para uma confecção de shorts. “Em São Paulo, onde a minha mãe costurava, era muito longe de onde morava. Do Jaçanã para o Centro é longe demais”, se queixa. Depois que se casou, penava quase todo mês para visitar a mãe. Era preciso um ônibus de Santos para São Paulo, depois atravessava a praça da Sé, alcançava a rua XV de Novembro, uma parte da avenida São João, entrava no Vale do Anhangabaú e subia em mais um ônibus com destino ao Jaçanã. Lá, José Francisco persistia na construção, o que o levou a ser candango em Brasília mais tarde. Aliás, a nova capital federal , inaugurada em 21 de abril de 1960, forçou José a esperar a data para só então retornar a Santos e batizar a primogênita de Valdice, Bianca de Jesus Espinoza, nascida em 20 de fevereiro do mesmo ano. Em 1961, no dia 31 de outubro, nasceria Patrícia de Jesus Espinoza, minha mãe e, à 25 de setembro de 1968, Cláudia de Jesus Espinoza.
O Espinoza, claro, é sobrenome que veio do seu marido, meu avô, que também não conheci. Faleceu um ano antes do meu nascimento. Jorge Brim Espinoza era como se chamava. Trabalhava no antigo Banco de Crédito Real de Minas Gerais, na tradicional rua XV de Novembro, em Santos, onde começou como contínuo e depois virou escriturário. Os dois se conheceram no baile de formatura da Escola de Corte e Costura. “Na época, as minhas duas futuras cunhadas estudavam na escola e o levaram para o baile”. No mesmo dia Jorge pediu seu telefone. Era 23 de abril de 1955.
22 novembro 2007
A azeitona da empada de Bauru
Bem, demorei em abocanhar um bauru em Bauru. Só não tardei em sair aos seus cantos na noite, aqueles lugares com mesas, música e bebida que chamamos de bares. Aqui, há um zoológico imenso deles e não demorei em notá-los. Abocanhei mesmo.
Tenho meus preferidos, igual a todo mundo. Nem lembro a primeira vez que pisei no Caju, só sei que foi antes da reforma. Agora ele tá lá, todo grande, dificilmente com mesa vazia. Continua reunindo aquela variedade de gente, velha e nova, homem e mulher. Antigamente (uma força de expressão para dizer “há dois anos”), a música no Caju se resumia a um banquinho e um violão. Hoje, tem espaço para percursionistas, outros instrumentos, um carnaval com um telão de enfeite. Mas, não se engane: no Caju, a quantidade acompanhou a qualidade. O som ali continua uma beleza. Só não sei se os guardanapos com pedidos de música continuam chegando às mãos dos músicos.
Onde sempre pedi música foi no Jeribá. Tenho uma teoria sobre esses pedintes, iguais a mim. Esse cidadão é aquele falso quieto, que chega ao recinto todo cheio de cerimônia, miudinho. Dá quatro cervejas pra ele que vai faltar guardanapo na mesa e caneta no bolso do garçom. E o cara no violão, cumprindo o seu ofício, vai ter que se desdobrar para executar todas as pérolas da MPB. No Jeribá sempre se desdobraram.
Engraçado que guardo boas recordações do Los Compadres e lá não tem música ao vivo. Aí, você vai dizer: “ah, tem música ambiente!”. Ter, tem, mas nunca decifrei um só rock que tocou ali. A balbúrdia dos bate-papos nas mesas falam bem, bem mais alto. E essa é a coisa mais gostosa do escurinho do Los: a conversa. Você entra lá com uma turma, senta, bebe uma cerveja bem gelada e volta pra casa rouco de falar e rir, não necessariamente nessa ordem.
E tem a saideira. Na verdade, há toda uma cultura em volta desse capricho. Graças à simpatia de um velho amigo de mesa sempre simpático com os garçons, fui contemplado com esse agrado tantas vezes. Às quatro, cinco da manhã, saíamos dos bares e não me recordo de muitas ocasiões em que não levávamos copos de cerveja de graça nas mãos. E saideira é sempre a cerveja mais gostosa. Isso é inexplicável.
Muitas delas conquistamos no Alecrim, o melhor bar de Bauru, na minha modesta opinião. Ali há um palquinho decente, onde uma dezena de músicos se revezam no palco. Vão do samba-canção ao samba-enredo com uma elegância que dá inveja. Nunca deixei de arriscar uns passos tortos ali. E não fui o único.
Sim, já me esquecia, comi o Bauru, duas vezes, uma no Skinão, outra no Bauru Chic. O autêntico bauru, com rosbbife, não com presunto. Valeu a pena. Mas, confesso: em Bauru não troco um caju com alecrim ao lado de compadres por sanduíche nenhum desse mundo.
19 julho 2007
Imemoráveis
É verdade que essa matrona fugaz, a tal da memória, está na moda. A chamada primeira idade anda se arrepiando com a chamada terceira idade, toda vez que o Globo Repórter pára de filmar Pantanal e Amazônia para falar da ascensão do mal de Alzheimer. Ninguém quer esquecer nada. Na corrida pelas informações fáceis e apressadinhas, fast food mesmo, os esquecimentos sobram. E há um punhado de gente dizendo que isso é mal de brasileiro, o da memória curta. Que os caras pálidas daqui esqueceram o mensalão, a maleta, o Lula vermelho e o Chico Picadinho.
Há outras rabugices. Enquanto eu e você desejamos infinitos gigabytes, os mais antenados intelectuais tremem com a falta de perspectiva histórica da nova juventude. Certa vez, o educador Mário Sérgio Cortella fez seu mea-culpa, atacando os adultos de hoje, os jovens dos anos 70. Segundo Cortella, o desprezo da juventude dos anos 2000 pela infância que tiveram, aquela do esquema Bambole-Xuxa-Atari-Playmobil, dá um salto fantástico toda vez que os papais murmuram um “ah, rapaz, eu é que tive infância, viu?”.
Lembro de ter jogado um bocado de videogame e lembro do He-man, aquele que tinha a força. Não sei se o peão e mais bolas de gude fizeram falta. Sei que havia mais tempo, inclusive para lembrar. Mas, hoje, com tantos percalços, as memórias estão mais pequeninas e sem socorro que os chips mais nanicos e aclamados. O quê eu estava falando mesmo?
Deixem de lado Capote, o guru da memorização. Um João Antônio e outros inquietos foram os que saíram do lugar-comum da nossa imprensa repetitiva e vendida. Ou, ainda, os que enfrentaram a memória e a ela se agarraram. Foi João quem disse: “Há no país uma classe de homens sem remédio, os de memória. Tachados de saudosistas, chinfrins e velhos precoces, acabam falando sozinho”. Está certo, João! Foi falando “sozinho” que você nos deu doloridos testemunhos de que a memória é coisa que habita cada indivíduo, pois faz doer e alegrar em cada um. E porque é memória.
No caso brasileiro, repetir que “somos um país sem memória” é como dar um pontapé na bola e se retirar de campo, deixando o jogo para os esquecidos. Há outras duas desgraças além do chavão. A primeira é acreditarmos vagamente que memória apenas tem alguma coisa a ver com a decoreba dos vestibulares ou com as capacidades impessoais dos pen drives indispensáveis. Mas, a segunda desgraça dói mais. Está certo que um universo inteiro das nossas ruas e campos não será (não foi?) inscrito na História. Ou seja, não será História. O pior: não há (não houve?) nada minimamente humano que caberá nas colunas dos jornais com seus clichês ou, ainda, na virtualidade dos badulaques digitais. Os esquecidos são estes, os dispensados, para quem sequer revival ou momento-nostalgia haverá no espaço de armazenamento. Os humanos são gigantescos. E são imemoráveis.
02 julho 2007
O refúgio de João não é Copacabana
A professora da UNESP de Assis, Ana Maria de Oliveira, é a atual coordenadora do acervo. Ela conta que, após a morte solitária de João Antônio em outubro de 1996 no Rio de Janeiro, seu único filho, Daniel Pedro Ferreira, cedeu à instituição a biblioteca pessoal e objetos do pai. Os pertences estavam no apartamento alugado pelo escritor na Praça Serzedelo Corrêa, em Copacabana. Hoje, sob os cuidados do Centro de Documentação e Apoio à Pesquisa (CEDAP) da UNESP de Assis, o acervo reúne uma imensidão de livros. São obras do próprio João Antônio, de outros autores nacionais e estrangeiros, além de quase 1100 livros com dedicatórias de Caio Fernando Abreu, Jorge Amado, Clarice Lispector, Dalton Trevisan, Moacyr Scliar, Drummond, Fernando Sabino, Lygia Fagundes Telles, entre outros.
Os críticos da literatura e do jornalismo são unânimes em dizer que João Antônio se preocupou com os miseráveis, os marginalizados. São de sua autoria clássicos como Malagueta, Perus e Bacanaço e Abraçado ao meu rancor, livro homônimo do conto que mais define o escritor, segundo o professor da UNESP de Bauru, Marcelo Bulhões. Para ele, “a obra de João Antônio se constitui sob a forma da negatividade, do inconformismo e plasmada com os meios de expressão dos despossuídos. Ela está comprometida, até as vísceras, com a realidade social degradada”.
O mestrando da UNESP de Bauru, Cláudio Coração, visitou o acervo em Assis atrás dos textos da coluna “Corpo a Corpo”, assinada por João Antônio no jornal Última Hora. Coração também acredita que o jornalista “representava o grito dos desprovidos de badulaques modernosos e que sua obra dialoga com universos paralelos, à margem, soterrados pela ânsia, pela velocidade da sociedade e da cidade em mutação”.
O que mais impressiona os leitores de João Antônio é a forma como ele relatou os merdunchos, putas, vagabundas, pilantras, malandros, trabalhadores, otários e trambiqueiros. Bulhões e Coração destacam que o escritor, sem demagogia, defendia o enfrentamento com a vida, o que propiciou aproximar a sua narrativa jornalística à literatura. O próprio João Antônio já definira essa postura em “Corpo-a-corpo com a Vida”, do livro Malhação do Judas Carioca: “Literatura de dentro para fora. Isso é pouco. Realismo crítico. É pouco. Romance-reportagem-depoimento. Ainda é pouco. Pode ser tudo isso trançado, misturado, dosado, conluiado, argamassado uma coisa da outra. E será bom. Perto da mosca. A mosca – é quase certo – está no corpo-a-corpo com a vida. Escrever é sangrar. Sempre, desde a Bíblia”.
No acervo descobre-se mais desse defensor do “escrever é sangrar”. Segundo Ana Maria, “João Antonio tinha absoluta consciência da posteridade”, o que se confirma com o bloquinho de anotações feitas em embalagens de cigarro que guardou. A impressão que se tem é a de que o escritor sabia que seria descoberto pelos pesquisadores. Merece destaque a sua vasta coleção de discos de 78 rotações e a de revistas literárias, acadêmicas e até pornográficas. Há diversas edições da Realidade, ousada revista da década de 1960 que teve João Antônio como um dos seus criadores em 1966. Nela, abordaria a prostituição em 1968, com “Um dia no cais”, o primeiro conto-reportagem brasileiro.
Duas impressões nos arquivos: João Antônio era atento aos amigos e extremamente organizado. Ana Maria lembra que “ele numerava as correspondências e até marcava no envelope se já as havia respondido”. Nas gavetas, pelo volume de cartas, percebe-se que o jornalista mineiro Manoel Lobato foi um de seus grandes confidentes. Outra preciosidade arquivada é a sua agenda, preenchida com contatos do escritor. Muitos são europeus e talvez lhe tenham sido úteis nas passagens pela Alemanha, Polônia, Tchecoslováquia e Espanha. Mas, João também fez da agenda seu guia de gírias. Na letra M, por exemplo, “malandreco” é “o mais verdadeiro dos malandros” e “marreco” um elegante sinônimo de “otário”.
No geral, restará ao visitante do acervo o contato com parte do mundo do jornalista-escritor que ainda cedo arrematou um Prêmio Fábio Prado e dois Jabutis. Na visita, poderá descobrir que o criador da expressão “imprensa nanica” no Pasquim e o jornalista do “corpo-a-corpo com a vida” era também um “consciente da posteridade”. Se tiver paciência, lerá as dedicatórias oferecidas a João, inclusive a de uma escritora ucraniana que em Uma aprendizagem ou o Livro dos Prazeres anotou: “João Antônio, dizem que este livro ensina a amar. Mas você já sabe. Abraço da Clarice. 31 de março de 1977”.
27 junho 2007
A GREVE - ÚLTIMO ATO: O TIRO NO PÉ E OS DESMASCARADOS
suspensão da greve de funcionários (por contraste)
suspensão da greve de professores (por unanimidade)
-Convocação de uma audiência pública com os três diretores das faculdades do campus de Bauru;
-Convocação de uma audiência pública com o reitor Marcos Macari em Bauru, para que ele discuta a nossa pauta de reivindicações;
-Realização de um flash-mob nas principais ruas de Bauru na terça-feira, dia 03 de julho;
-A reposição de aulas foi aceita por funcionários e professores;
-A data para volta às atividades normais: segunda-feira, dia 02 de julho.
20 junho 2007
Em cartaz: A GREVE
490 à favor; 368 contra; 6 abstenções.
08 junho 2007
Em cartaz: A GREVE - estrelando, o deputado piadista!!
Caro Mellão, você deve ser um sujeito muito feliz, afinal pôde escolher entre a USP e a FGV. Por que o sr. não visita as públicas "veredas" universitárias de São Paulo? Certamente concluirá mais do que a briga pela autonomia. Os decretos são o auge do desmantelamento do Ensino Superior Público laico, de qualidade e com responsabilidade social. Quesitos que só mereceram o desserviço do sr., no textículo que exaltou a repressão aquática do seu mártir, Jânio Quadros, e corroborou para o senso comum ridículo que a grande imprensa patrocina. Continue aí construindo suas falácias na sua bancada tão distante dos estudantes de USP, UNESP e UNICAMP, alheio às manifestações que tanto devem lhe incomodar. Disse que os ocupantes da USP "sequer são cidadãos". Parabéns pela capacidade inventiva, sr. Cidadão!
06 junho 2007
Em cartaz: A GREVE - outros atos obscuros, sem reflexão e cheios de cagadas em algumas TVs e jornais gorduchos
Bauru
Esse é "o" tema
16 maio 2007
Entrelinhas perversas da estadia assisense
06 maio 2007
Deu na TV
25 abril 2007
A ENéSIMA NOITE DA RUA XV DE NOVEMBRO
Os “pastéis inconfundíveis do seu Shiro”, a mendiga Maria Sapa e o rádio-transmissor do Zé Macaco são algumas lembranças que José Fonseca Neto, 65, e Fernanda Fonseca, 76, guardam da Rua XV de Novembro. Em Santos, o casal trabalhou de 1955 a 1976 no extinto Banco de Crédito Real de Minas Gerais, durante a “época romântica da rua”, como José faz questão de lembrar.
A XV de Novembro não era XV nos primórdios. No século 16, com os patrícios loucos para ligar o porto à entrada da vila, ela nasceu Rua Direita, apesar do desvio forçado por um mangue. Desvio feito, a Rua Direita nasceu assim: torta. Quando a Monarquia foi às favas tornou-se XV de Novembro e se aprontou para brilhar.
No início do século 20, mulher não andava pela XV de Novembro e “a presença de uma era motivo de atenção e assobios”, segundo José. Na calçada dos bancos, corretoras e exportadoras de café, transitavam os homens de negócios. Naqueles anos os cortiços foram ao chão e os barões do café reinaram absolutos quando, na esquina da XV com a Rua Frei Gaspar, inaugurou-se a Bolsa do Café, em sete de setembro de 1922.
A Bolsa do Café, criada para organizar o mercado cafeeiro, é um palácio neoclássico, de recalques barrocos e lembranças da belle époque brasileira. Atual ponto turístico de Santos, ela abriga o Museu do Café, com o salão do pregão e os vitrais e óleos de Benedito Calixto, testemunhas do desespero dos cafeicultores em 1929 com o crack da Bolsa de Nova York. “Deve ter sido uma loucura aqui”, imagina o monitor do museu Wanderley Andrade.
Desde 1998, a XV reúne música e chope no seu happy hour, dedicado aos trabalhadores dos escritórios e ao público em geral. Em 19 de janeiro, o Museu do Café foi cenário para os Falsos Baianos, a dupla santista Conrado Pouza e Wylmar Santos. Quem lá esteve ouviu de tudo, de João Bosco a Carlinhos Brown, na segunda apresentação promovida pela Prefeitura de Santos, empenhada na revitalização do Centro Histórico. Para aplaudir o projeto “Música na XV”, até o prefeito João Paulo Papa conferiu a MPB de Conrado e Wylmar. “Estão enfatizando a veia cultural do Centro porque a cidade carece disso à noite”, reflete Conrado.
O pioneiro das noites da XV foi André Luiz Losada, com sua cafeteria e bar Largo do Café, há 11 anos diante da Bolsa. Sem saudades, André lembra de 1995, quando pela XV perambulavam os mais comuns tipos das zonas portuárias: viciados e prostitutas. “Era uma área degradada e perigosa à noite”. E completa: “o importante é o santista acreditar na XV”.
Foi acreditando que o sambista santista Luiz Américo tirou dinheiro do bolso e abriu a Typographia Brasil, um galpão bem arranjado, ornamentado com bandeiras de escolas de samba e lotado na noite de 25 de janeiro para ouvir o partido alto do carioca Almir Guineto. “A primeira tipografia do País foi a Brasil, aqui na XV, que agora é a rua do samba”, garante Américo. Mas, nem tudo é samba depois que Wanderlei Luxemburgo abriu o restaurante-bar Império Cubano, um espaço dançante, com drinks tropicais e ritmos latinos na vitrola.
E o samba desaperece de dia. Quando a XV amanhece, iniciam suas atividades os escritórios do Luigi Bozzo e Nilo Branco, a Secretaria da Fazenda, o World Trade Center e a Câmara Municipal. Além da Bolsa de Mercadorias e Futuros, vizinha do Bar Retrô, falecido antes das noites de samba e salsa da santista mais ilustre e torta. Como disse José, “são coisas da XV”.
A XV no início do século XX, com engraxate trabalhando, à direita:
Foto: Cartilha da História de Santos, de Olao Rodrigues, 1980, Gráfica da Prodesan, Santos/SP
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A swinging London de Llosa
"Na segunda metade dos anos 60, Londres substituiu Paris como a cidade das modas que, partindo da Europa, se espalhavam pelo mundo. A música substituiu os livros e as idéias como centro de atração para os jovens, principalmente a partir dos Beatles, mas também de Cliff Richard. Shadows, Rolling Stones com Mick Jagger e outras bandas e cantores ingleses, e dos hippies e a revolução psicodélica dos flower children. Assim como antes iam fazer a revolução em Paris, muitos latino-americanos emigraram para Londres e se alistaram nas hostes da cannabis, da música pop e da vida promíscua. Carnaby Street substituiu Saint Germain como umbigo do mundo. Em Londres nasceram a minissaia, os cabelos compridos e as roupas extravagantes que consagraram os musicais Hair e Jesus Christ Superstar, a popularização das drogas, a começar pela maconha indo até o ácido lisérgico, a fascinação pelo espiritualismo hindu, o budismo, a prática do amor livre, a saída do armário dos homossexuais e as campanhas de orgulho gay, assim como uma rejeição em bloco do establishment burguês, não em nome da revolução socialista, à qual os hippies eram indiferentes, mas sim de um pacifismo hedonista e anárquico, matizado pelo amor à natureza a aos animais e por uma renegação da moral tradicional. Os pontos de referência para os jovens rebeldes não eram mais os debates em La Mutualité, o Nouveau Roman, nem refinados compositores e intérpretes como Leo Ferré ou Georges Brassens e os cinemas de arte parisienses, e sim Trafalgar Square e os parques onde, liderados por Vanessa Redgrave e Tariq Ali, faziam manifestações contra a guerra do Vietnã em meio a shows multitudinários dos grandes ídolos e baforadas de erva colombiana, e os pubs e discotecas eram os símbolos da nova cultura que mantinha milhões de jovens de ambos os sexos magnetizados por Londres. Aqueles anos foram, na Inglaterra, de esplendor teatral, e a montagem da peça Marat-Sade, de Peter Weiss, dirigida em 1964 por Peter Brook, até então conhecido principalmente por suas revolucionárias encenações de Shakespeare, foi um acontecimento em toda a Europa. Nunca vi no palco nada que se gravasse com tanta força na minha memória."