26 junho 2009

O rei do pop que se foi

Você achava que o piadista Meia Hora já tinha se superado com a história do Clodovil virou Purpurina? Então veja a capa do jornal carioca para a morte de Michael Jackson:



Brincadeiras à parte, o ícone permanecerá. Michael Jackson é a fórmula terminada e maior de um período que jamais se repetirá.

O pop, esse estranho ente da vida moderna, não terá, com ou sem a morte do seu rei, a repetição daquelas filas intermináveis para shows e lançamentos, a espera pela face da vez e o mundo paralisado para ver os novos passos de um videoclipe ou os novos assessórios. Pulseiras, chapéus e luvas se transformariam, da noite para o dia, em amuletos vendidos e reproduzidos por toda a parte.

Essa força da indústria só foi possível com poucos. E foi talvez na vida torta de uma criança (que não pôde ou não desejou crescer), a terra fértil onde a música e seu mainstream conseguiram produzir o marco maior.

Quando comecei a perceber alguma coisa no mundo, já existiam os truques mais pirotécnicos em videoclipes, aqueles passos cujos pés deslizavam para trás e as imitações de Michael sempre que se falava em pop. Ele já tinha mudado muita coisa nesse mundo.

Hoje, com tanta coisa acontecendo e se falando sobre ele, parece que é mais um dia daquela época sem MP3 e redes sociais, quando todos esperavam pelo novo vídeo do astro. Como ele se inclinava daquele jeito quase beijando o chão?

A expectativa pelo novo significava ansiedade guardada para conferir a novidade em dança, música, expressão e em indústria. Esse tempo já não existe mais. Não sei se era melhor ou pior. Só sei que não existe.




17 junho 2009

'Ménage à trois' paulistano


A noite fria do meio de uma semana de junho acoberta o encontro mais provável na proximidade das grades que separam o estacionamento de dois prédios. Nessa junção de feudos, os porteiros dos edifícios se distraem ao som do celular. O pagode que repete a mesma ladainha em todas as faixas rola solto, afinal tudo indica que a essa hora há pelo menos dois síndicos a roncar. É ele, o pagode, que chama a atenção das mulheres na esquina da Haddock Lobo com a Fernando de Albuquerque. Desde que inventaram de colocar tocadores de MP3 nos telefones, seus autofalantes desenvolvem a galope a potência comparável a das igrejas mais eufóricas e logo tomam conta do silêncio que jamais existiu nos elevadores, ônibus e corredores de São Paulo. Já os encontros nos fundos dos prédios, como esse no perdido da madrugada da região do Baixo Augusta, existem desde que a Augusta é Augusta ou desde que inventaram de construir prédios em São Paulo.
Porque enquanto a molecada bebe e senta nas calçadas imundas antes de chegar a hora do metrô, uma das mulheres da esquina parece desistir da jornada de trabalho e fazer do celular dos porteiros o seu happy hour. “Ô gato, isso aí não toca mais alto?” é o equivalente a “Oi, meninos, como vão?”.
A conversa que seguirá vai render sorrisos sinceros e risadinhas de confidência. A mulher vai contar que estava ficando com um cara que era brochante porque carregava pra cima e pra baixo uma bóia de gordura na cintura. Vai revelar que agora pega um coroa de 54 - que "dá no couro" - e lembrar as proezas da noite da Parada Gay. "Tu viu que teve bomba?". Seus ouvintes atentos oscilarão entre a atenção, o carinho medido e a fala mole. Vão duvidar da eficiência do coroa de 54, perceberão que na esquina já rareiam as outras colegas de trabalho e nem imaginarão que na carteira da companheira de pagode no celular pode haver a foto de duas filhas que dormem.
Na despedida: “Deixa eu ir, preciso pegar homem”. O porteiro mais baixo vai se despedir rápido, mas o de bigode já não oscilará tanto, dando vez só para o chamego, num rasgo de esperança diante da possível futura mulher ou da inimaginável transa sem despesa. “Você vá dormir, baby, descansar esse rostinho, vai”.
Ela dá um sorriso para partir. Sobra um "tchauzinho" para os gatos guardadores de prédios e uma dúzia de ilusões. Ela sabe que nenhum deles traz bóias de gordura na cintura, mas quando vira a esquina está vidrada no coroa de 54. Sabe-se que sumiu de vez porque pouco demora para o pagode baixar e a fala mole sumir. “Essa mina é fogo”, fala um. “Ela recebe o cheque e ainda chama de meu amor”, responde o do bigode.

Ilustração: Laerte