25 dezembro 2007

Ria, seu sem-vergonha!

Não direi que 2007 foi ano bom ou ruim. Há algum tempo não consigo ser maniqueísta a tal ponto. Também não tenho a máxima: "ah, o ano x foi o melhor da minha vida". Consigo lembrar de dias marcantes, alguns momentos, mas um ano é tempo demais para acumular só desgraceira e baixarias ou simplesmente um mundo cor-de-rosa repleto de estadias quinzenais em Paris. Alguns chamariam isso de maturidade. Eu acho que se trata de um desencanto entusiasmado com o belo. Risada.
Cada vez mais acho que a vida e nós somos um pouco patéticos. Soamos a uma tragicomédia cotidiana, renovadíssima a cada minuto, apesar de repetidora das piadas, dos gestos, dos puns fedidos e das caretas desprevinidas. Pare, numa janela, numa esquina, em qualquer lugar em que haja outro ser. Observe. Você dará algumas tristes risadas.
Claro que isso não inclui rir dos grandes problemas, do caos social. Digo rir da vida, dos casais desajeitados, da criança caçoadora, também dos irracionais movimentos e estacionadas que fazemos todos os dias. Principalmente aqueles que levamos à cabo como se executássemos, sisudamente mal encarados, a coisa mais importante desse mundo que passa. Passa e não volta.
Disse "fazemos" porque de tanto rir da vida alheia, da vida que me cerca como um circo que se move ao meu redor, me vi palhaço desse picadeiro. Além de criar alguma vergonha na cara, não relutar em assistir à Tropa de Wagner Moura, desligar a tv para as "negociações" da votação da CPMF e planejar estudos de mandarín para os próximos tempos, 2007 foi o ano em que aprendi a rir de mim.

19 dezembro 2007

Valdice, a minha vó que veio da fazenda Quixaba (parte II)

Meu avô nasceu em Pelotas, no Rio Grande do Sul, em 19 de janeiro de 1937. Algumas pessoas, principalmente minha tia Bianca, dizem que até conseguem imaginar nossa relação se estivesse vivo. Eu teria sido o seu primeiro neto e, dizem línguas mais exageradas, herdei uma veia boêmia, bem ao seu estilo, do vô Jorge. Na verdade, não tive o provável prazer de chamá-lo “vô”, nem de nada. Mas, é certo que ele se perde constantemente em minhas imaginações, em bancos noturnos com dedilhadas suas no violão, neto e avô, num sonho muito pessoal, nunca vivido e de outro mundo particular.
Voltando para a vida concreta, sabe-se que ele mudou ainda pequeno para Santos, onde cursou o primário. “Também veio menino”, pontua Valdice. Seu pai era técnico de máquinas. “Largou a minha sogra lá (em Pelotas). Acho que depois ele se arrependeu e mandou minha sogra vir”, supõe. Chamava-se Carlos Espinoza, que trabalhou na Singer em Santos durante muitos anos, na rua Martim Afonso. Era casado com Antônia Brim Espinoza, costureira de cortinas e minha bisavó, falecida em 2003. “Esse sobrenome, o Espinoza, vem da Espanha. O pai do meu sogro, do Carlos, era espanhol, mas não me lembro do nome”, conta minha avó. Os personagens em questão são meus tataravôs, o casal Alfredo Espinoza e Maria Balbina Espinoza. Enquanto isso, a minha bisavó Antônia era a filha de Agenor Brim e Elisabeth Garcia Brim.
Jorge e Valdice namoraram por dois anos, aos quais se somaram mais dois anos de noivado. Se casariam em 1959, na Igreja do Embaré. Para poder namorá-la, precisou do consentimento até dos patrões da “casa de família”. Como era o namoro? “Ele me buscava em casa, todo domingo a gente ia para o cinema. Era o Roxy, o Atlântico”. Só bem depois de casados Jorge levou Valdice à Pelotas, para conhecer a “sua terra”. Em 1973, depois de um desentendimento, saiu do banco. Aliás foi graças a uma indenização do banco que a viagem à Pelotas foi possível. Chegou a trabalhar como fotógrafo e representante de distribuidora de bebidas. Morreu em 1982.
Bianca, a primeira filha do casal, estudou no colégio Canadá, mais tarde no Avelino da Paz Vieira, onde cursou o colegial. Cursou Administração no CEUBAN (Centro Universitário Bandeirantes), com auxílio de crédito educativo. “Eu comecei a pagar, mas não tínhamos mais condições, por isso pedimos o crédito”, conta Valdice. Em 1982, Bianca se formou. No mesmo ano, o Corinthians havia sido campeão paulista de futebol. Mas, o corintiano Jorge não viu nada disso. Meu avô era torcedor do time do Parque São Jorge, mas tinha um álbum com recortes do Santos de Pelé, bem documentado e rico em informações e fotos. Parece incoerente, mas, é mais uma pérola sua. Esse álbum existe até hoje. E eu, mesmo sendo bom santista, o admiro certo de que meu vô corintiano foi um apaixonado pelo futebol, acima de tudo, inclusive de camisa de time. “Ele conhecia o Pepe, o Pelé, essa turma toda. Quando ele foi trabalhar como fotógrafo particular acabou tendo contato com esse pessoal”. O que ele mais gostava de fazer? “Tocar violão, cantar e sair à noite”, diz. Vocês continuaram a sair depois de casados? “Algumas vezes, depois tínhamos as filhas para criar, muito trabalho, né?”.
Minha vó guarda boas lembranças dos carnavais antigos. Principalmente da época de solteira. Lembra que todo mês de novembro já saíam as letras das marchas do próximo carnaval. “Todo mundo comprava as revistas, para aprender as marchinhas”, diz. “Íamos para o teatro, o Coliseu, era lá o carnaval, o baile, o lança-perfume jogado nas nucas, as pessoas se divertiam bem, não é como hoje, essa baixaria”. O melhor carnaval, aquele inesquecível para ela, foi o vivido em São Sebastião. Mas, com o Jorge, não teve muito carnaval, não. Porque chama o vô de safado, vó? “Não, não é assim tão safado. É que a mulherada dava em cime dele, e ele gostava de sair até mais tarde com o violão, depois voltava de madrugada assobiando”.
Mas, as maiores saudades não são dos carnavais nos recantos urbanos do sudeste brasileiro. Quando fala da fazenda lá de Quixaba, Valdice não fala como quem conta um tempo de dificuldades. Reconhece que tinham o alimento necessário, os leites e derivados retirados na fazenda, além de uma plantação de mandioca próxima a um rio. Havia cana também e se fazia farinha, vendida nas feiras. Em janeiro de 1986, pisou novamente no Sergipe, acompanhada da terceira filha, Cláudia, na época com 17 anos. Manteve nesse tempo todo, desde a infância, o contato com os parentes de lá. D. Maria Emília, a incentivadora da migração, morreu jovem, vitimada por um câncer de útero, em 1964, aos 48 anos. Está enterrada na Vila Formosa, em São Paulo. José Francisco viveu até setembro de 1986, quando faleceu com 77. Foi enterrado no cemitério da Areia Branca, em Santos. Eu só tinha 3 anos, mas lembro do seu chapéu e cachimbo, quieto na área de serviço.
Como foi a recepção em Itabaiana para a senhora e a tia Cláudia em 1986? “Foi aquela festa. Eu saí de lá com 13 e só voltei com 50 anos”. Houve até faixa, feita pela “parentada”, para a prima nascida em Santos, que dizia: “modelo de Santos”. Valdice achou que a cidade expandiu bastante. Lembra que gostava de comer fatada de carneiro, uma espécie de buchada, na infância. Mas, em 1986, o carneiro agrediu o estômago: muito tempo se passara e o corpo já desconhecia aquelas iguarias. A rapadura continua sendo bem-vinda. Até hoje, foram quatro retornos à terra natal. E a quinta, quando será? “Não tenho mais vontade de pegar estrada”.
Aos 72 anos, suas lembranças mais fortes são algumas saudades bem distantes. Quem a conhece diz que é uma pessoa prática, de muita correria, inquieta quando fica apenas descansando. Gosta de coisas práticas. Pouco guarda documentos e fotos. Mas, ninguém deixa de lembrar suas idiossincrasias, sua história, seu esforço para sustentar três filhas, viúva. Lembro que me criou, ao lado do meu irmão, durante boa parte da minha infância. Depois de crescido, ainda morei dois anos com ela. Sempre se dedicou com carinho aos netos, bem naquele estilo da vó que se amolece um pouco mais com os netos, quando comparada ao relacionamento com os próprios filhos.
Fiquei pensando em mil coisas. E se ela não tivesse vindo com a sua mãe? Se tivesse ficado lá na sua fazenda Quixaba? Podem até dizer que as lembranças da infância sempre serão mais doces, do mesmo jeito que lembramos das coisas, das construções, como se tivessem sido maiores quando éramos pequenos. Mas, quando minha vó falou da fazenda dos seus oito anos, ela me pareceu um lugar melhor de se viver. Perguntei, ao final da entrevista, se havia e qual teria sido o dia mais feliz da sua vida. Ela desviou: “Olha, já deve fazer tanto tempo, que eu nem sei mais”. Guardei suspeita. Acho que foi algum dia na Quixaba, perdido nas lembranças mais profundas do seu passado, naquelas terras de pastos verdes, rios, casa grande e terra firme que até Lampião já pisou. No outro dia, mandou me dizer que arrumara uma resposta. Era um arranjo, mas só reforçava a minha antevisão, quase joão-biduriana. Dizia: “pode colocar aí que foi o dia que eu pisei de novo na minha terra”. Está posto, vó.

15 dezembro 2007

Valdice, a minha vó que veio da fazenda Quixaba (parte I)

Valdice costuma dizer que nasceu em 20 de março de 1936, apesar de ressaltar que, “na verdade”, nasceu em 6 de fevereiro do mesmo ano. “Mas fui registrada em 20 de março”, sempre esclarece. Tentando evitar a confusão e duas datas para comemorar o mesmo aniversário, costumamos dar-lhe parabéns no dia 6. Se antes ou depois, ela confirma que nasceu naquele fevereiro, sob o signo de Aquário, o qual sempre caça com o indicador nas páginas do horóscopo, enquanto o olhar se aperta por trás dos óculos de leitura. No rol dos mestres do zodíaco, destaca-se em sua predileção o João Bidu, o astrólogo da editora Alto Astral, uma das grandes empregadoras de jornalistas do interior de São Paulo, em Bauru. João Bidu é o carro-chefe das produções astrológicas da Alto Astral e Valdice uma de suas fiéis leitoras. Há um ano ela veio a Bauru para uma visita. Quem a trouxe foi Bianca, sua primogênita. Diante da falta de atrativos na cidade para a curta viagem lembramos do óbvio: a levaríamos ao prédio da editora, no improviso mesmo, sem saber se o dito cujo estaria por lá. Estava. O guru Bidu desceu, levantou-se da sua mesa e foi ao térreo, onde o encontro se deu. A aquariana Valdice viu o rosto do homem que há anos escreve o que seu indicador caça. E eu e minha tia ficamos ali, ouvindo a troca de confidências zodiacais. Minha vó ficou satisfeita e eu também. É que certa vez perdi a paciência, ocasião em que embiquei um longo discurso para ela, tudo para minguar a sua crença nos astros, expondo a charlatanice desses escrivões sem escrúpulos. Naquele dia do encontro saí aliviado, com o astral nas alturas. De alguma maneira me redimira. Valdice nem lembrava mais dos meus discursos chatos e logo vi brotarem os exemplares de horóscopo em seu apartamento. Depois da minha desastrosa pregação, como o irmão mais velho que expurga a existência do Papai Noel da mente do seu irmãozinho de cinco anos, ela deixara as revistas de lado. Agora, voltara e me dava até mesmo a chance de simpatizar com o tal João Bidu. Essa supersticiosa, de paladar aprimorado, capaz de misturar melancia com arroz e feijão, nunca negou que azul é sua cor favorita e nem deixou número de bilhetes de ônibus, borboletas na varanda e coisas parecidas sem a devida atenção: sempre foram palpites quentes para o jogo do bicho.
Valdice de Jesus Espinoza é minha avó, que nasceu em uma fazenda, a fazenda Quixaba, a casa com grande jardim na frente, propriedade do seu avô, João Batista Maciel. Município de Campo do Brito, interior sergipano. Só partiu para outro lugar quando completou oito anos. A “cidade grande” tinha nome: Itabaiana. Na década de 40, era uma cidade pequena do Sergipe, mas foi capaz de gravar na sua memória a escola que freqüentou até a 3ª série. A Escola Professor Bezerra de Menezes, “que ainda está lá até hoje, com o mesmo nome”, garante. Antes da grande cidade de Itabaiana, onde morou 5 anos até partir novamente aos 13, trabalhou na lavoura da Quixaba. “Na fazenda a gente plantava milho, algodão, feijão, mandioca. Vendia em forma de troca por outros produtos. Quer dizer, tinha uma parte que era para nosso sustento e outra que vendíamos para comprar carne, outras coisas da cidade”, conta. A fazenda ainda existe? “Não sei se ela existe mais”.
Mas, não foi parar em Itabaiana por vontade própria, a motivação foi a “cisma” de sua mãe, a Maria Emília de Jesus, que tinha outros planos para a família, sempre prevendo um destino muito além das cercas da Quixaba sergipana. A cismada mãe “mandou” seu pai, o José Francisco dos Passos, ir para São Paulo, enquanto o restante da família foi para Itabaiana, para estudar, sob as rédeas da matriarca Emília, uma pioneira no Sergipe e a bisavó que não conheci. Conta-se, como um de seus feitos mais polêmicos, o fato de ter sido a primeira mulher das redondezas a montar cavalo como homem, igual aos “caba macho do sertão”, de pernas abertas sobre a sela. Deve ter se inspirado nas histórias do bando de Lampião e Maria Bonita que no passado pousara e banqueteara na Quixaba. “Acho que minha mãe já nasceu com umas idéias mais adiantadas. E meu pai não apitava nada, era ela quem mandava”.
Valdice não herdou o sobrenome Passos do pai. “Lá, só é dado o nome do pai se os seus pais são casados no civil, mas a minha mãe casou só na igreja”. José dos Passos também não nasceu em Campo do Brito ou Itabaiana. Veio de Macambira, uma “cidadezinha pequenininha”. Quando fez a vontade de D. Emília em 1947, e se foi para São Paulo, começou trabalhando na construção civil. No caminho passou pela capital e seguiu direto para o litoral, para Santos, onde logo arrumou emprego como carpinteiro.
Teve quatro irmãos ao todo. Depois do pai ter partido, depois de 1947, ouviu seguidamente D. Emília dizer que iriam acompanhar José. Partiriam para Santos em breve. “Ela não queria ficar lá no nordeste”, lembra. Ainda tentando atrapalhar os planos da mãe, escreveu carta ao pai, revelando os planos de D. Emília, que ficou tiririca, e a encostou na parede. “Você vai se ver comigo se escrever outra vez!”. Embora as irmãs de Emília a caçoassem, achando que era delírio aquela história de se mandar sem eira nem beira para São Paulo, o destino da família estava traçado poe sua mãe. Dois anos após José ter iniciado sua retirada, foi a vez da matriarca e seus filhos. Assim, minha avó teve de deixar para trás até Adalberto, filho de dono de cartório com quem teve um “namorico”. Com apenas 13 anos subiu num pau-de-arara, obediente à mãe, que vendeu tudo que tinham para a viagem que os levariam para longe de Sergipe. Depois de São Paulo, mais um trecho, e desembarcaram em 13 de março de 1949 na estação do Valongo, na Baixada Santista. José Francisco ainda murmurou na chegada da esposa: "Mas, Emília, porque vocês vieram, meu Deus?".
Por volta de 1950, muitos nordestinos haviam feito a dura travessia que se destinava a desembarcar em São Paulo ou adjacências e, inevitavelmente, num incomum caminho por terra, em cidades como Santos, exatamente a cidade-chegada de tantos imigrantes que vieram do além-mar para o Brasil. Descendo o Nordeste, “os caminhões vinham cheios, chapados”, como lembra minha avó. O próprio caminhoneiro do pau-de-arara que a levara para São Paulo fazia a mesma viagem todo mês, com o caminhão sempre cheio dos que deixavam as suas Quixabas para trás.
Quando chegaram em Santos, Maria Emília e os filhos se estabeleceram em um alojamento da firma que José trabalhava. Cada empregado tinha seu cômodo. Enquanto isso, o mestre-de-obra da construção em que José estava empregado vinha construindo um chalé no morro da Nova Cintra. Chalé pronto e, vinte dias depois, foram para lá morar. Depois, veio a vez do morro do Pacheco, onde nasceu a sua irmã Vera Lúcia, em 2 de maio de 1950. “O Carlinhos nasceu em 5 de outubro de 1952, quando morávamos na rua João Pessoa”, recorda. Sobre as primeiras moradas, como no morro da Nova Cintra, lembra: “Faz anos que não subo por ali, mas a casa era logo na subida, não existiam tantas casas no morro na época. Santos era cheia de bondes, para tudo era bonde e o centro da cidade já era grande”. Por entre bondes, minha vó guardava consigo a saudade da sua terra. “Por mim, eu tinha voltado na mesma hora”, garantiu.
Em Santos não estudou mais, logo arrumaram trabalho, inclusive para as crianças. “Era para catar café, a gente catava para exportarem o café bom”. Nos armazéns, rodeada de outras crianças, ás vezes precisava esconder-se, porque o Juizado de Menores não permitia crianças naquele ambiente, porque o cheiro do café era muito forte. “Trabalhei assim bastante tempo, até o Juiz dar em cima e minha mãe tirar a gente”, diz.
Com o trabalho nos armazéns proibido, foi trabalhar em “casa de família”. Primeiro na rua São Francisco, na casa do Dr. Antônio Augusto Ramos, “um oculista”. Depois, em um aviário, “mais na parte doméstica”, ressalta. Mais tarde, voltou a trabalhar com a família do Dr. Antônio, dessa vez na rua Barão de Paranapiacaba, perto do Hospital Ana Costa. “De lá, fui trabalhar em outra casa de família, da família Lobo Viana, na rua Anália Franco. Lá eu trabalhei por 8 anos, saí de lá para casar”. Foi na época em que trabalhou na Anália Franco que viajou à São Sebastião, para pular o carnaval na casa dos patrões, carnaval que lembra até hoje. Nessa época, também fez o curso de Corte e Costura. Entrou na casa dos Lobo Viana com 15 anos e saiu com 23, “para casar”. Enquanto trabalhava freqüentou, na avenida Rodrigues Alves, as aulas da Escola de Corte e Costura São Geraldo. “Eu que fui atrás, me formei e depois que casei me tornei uma costureira profissional, com muita freguesia, trabalhando em casa”, relembra.
Quando se casou, os pais já não estavam mais em Santos. Tinham ido para São Paulo, “foram morar lá no Jaçanã”. Ainda lembra quando um jornal noticiou que a cidade de Santos seria inundada, seria arrasada e que o mar tomaria conta de tudo. “A minha mãe ficou morrendo de medo, disse que não ficava aqui, não. Eu não quis ir para São Paulo. Foi todo mundo, menos eu”, diz corajosa.
Na capital, Maria Emília também costurava, trabalhava para uma confecção de shorts. “Em São Paulo, onde a minha mãe costurava, era muito longe de onde morava. Do Jaçanã para o Centro é longe demais”, se queixa. Depois que se casou, penava quase todo mês para visitar a mãe. Era preciso um ônibus de Santos para São Paulo, depois atravessava a praça da Sé, alcançava a rua XV de Novembro, uma parte da avenida São João, entrava no Vale do Anhangabaú e subia em mais um ônibus com destino ao Jaçanã. Lá, José Francisco persistia na construção, o que o levou a ser candango em Brasília mais tarde. Aliás, a nova capital federal , inaugurada em 21 de abril de 1960, forçou José a esperar a data para só então retornar a Santos e batizar a primogênita de Valdice, Bianca de Jesus Espinoza, nascida em 20 de fevereiro do mesmo ano. Em 1961, no dia 31 de outubro, nasceria Patrícia de Jesus Espinoza, minha mãe e, à 25 de setembro de 1968, Cláudia de Jesus Espinoza.
O Espinoza, claro, é sobrenome que veio do seu marido, meu avô, que também não conheci. Faleceu um ano antes do meu nascimento. Jorge Brim Espinoza era como se chamava. Trabalhava no antigo Banco de Crédito Real de Minas Gerais, na tradicional rua XV de Novembro, em Santos, onde começou como contínuo e depois virou escriturário. Os dois se conheceram no baile de formatura da Escola de Corte e Costura. “Na época, as minhas duas futuras cunhadas estudavam na escola e o levaram para o baile”. No mesmo dia Jorge pediu seu telefone. Era 23 de abril de 1955.