30 setembro 2008

O admirador dos marginais

No rosto magro e comprido, atrás dos óculos de armação fina, estão olhos escuros, pequenos e aproximados. A impressão enganosa de desinteresse pelo que está ao redor surge quando senta, à vontade e inclinado, como quem busca descanso. É enganosa a impressão porque há uma naturalidade na postura. Percebe-se elegância no gesto, sempre marcado pela posição das mãos de dedos compridos, que às vezes estão juntas e escondidas entre as pernas constantemente cruzadas. Quando cansa deste modo, usa as costas da mão direita para servir de apoio ao rosto, ou, então, simplesmente cruza os braços com a mesma elegância displicente de antes. Raramente fala.

Alto e magro, ele não é um sujeito que passa sem que se perceba a camiseta, o jeans e o All Star. Do jeito que se veste, se misturaria fácil com os músicos que sobem, atrás de guitarras, a rua Teodoro Sampaio, em São Paulo. Entre colegas de curso, vindos de diferentes lugares do Brasil, também consegue ser invisível, sair e entrar nas rodas de conversas sem nada falar e com total sutileza, para ficar no seu canto, recluso e reservado. Quando atento, levanta as sobrancelhas, que só retornam à posição natural na hora precisa que pede a fala para uma pergunta ou comentário, sempre coerentes e com a voz baixa e grave. Um leve sorriso sempre encerra a frase e a sua ironia mansa.

A primeira vez que o percebi foi quando falou. Tratava-se da apresentação pessoal que se submete todo foca do curso, como acontece em qualquer início de aula em qualquer lugar novo. Quando revelou de onde veio, um município pouco conhecido, fez referência à cidade mais importante e próxima para tentar esclarecer a sua localização. Achei divertido aquilo. Primeiro porque já passei por sua cidade. Segundo porque a explicação se repetiu nos dias seguintes, sempre aborrecido com a obrigação de detalhar. Depois, pouco falou.

A nossa única aproximação aconteceu no dia em que sentamos lado a lado no refeitório. Apenas me ouvia enquanto eu falava para tentar contato. Não nos olhávamos. Certamente estava com as sobrancelhas arqueadas, ao mesmo tempo em que mastigava e ouvia o meu relato sobre a passagem por sua cidade e universidade. Por duas vezes, após silêncios, respondeu quando não se espera por respostas. Sobre a universidade, revelou predileção por autores marginais contemporâneos e por literatura africana. Sobre a sua cidade, confirmou a existência da cerveja local que mencionei, acrescentando que havia outra marca, mais consumida. Lembrei da bebida, mais barata e vendida aos universitários de orçamento apertado nos botecos e padarias de esquina. Quando terminava esse pensamento, ele já se despedia. Deixou dois pedaços da sobremesa, disse estar apressado e se retirou sutilmente.


PS: Este perfil foi produzido para aula do 19º Curso Estado de Jornalismo.