16 julho 2006

O Reinado de João

Amanda amava João, que amava Maria Pitá, que também amava João. Mas João demorou para saber. Já Amanda, que emudeceu depois do susto na festa da padroeira, nunca teve a chance de dizer seu amor.

A cidadezinha deles era feinha que doía. João, à sua imagem e semelhança, aprontou de nascer com a cara do pão que o demo pisou. No dia em que D. Sabiá lhe pariu, só abriu o berreiro depois que no espelho se olhou.

João se chamou João porque D. Sabiá jurava ter escutado da boca de Timbirá uma história linda, que dizia dum tal de João Gostoso, que se matou num açude de nome Não-sei-o-que-lá-onde de Freitas, lá no Rio de Janeiro.

Timbirá era o único professor da cidadezinha e gostava de João, que gostava de Timbirá. Ele que lia pro João histórias incríveis e João tudo só escutava porque nunca soube ler. Quando Timbirá abria a boca, João garantia ouvir até mesmo a chuva caindo. Até o dia em que Timbirá quis saber se sabia do cubismo e João, fulo, tascou-lhe uma dentada que foi um adeus para nunca mais.

Criança, João comeu pouco. Nos Natais então, nem tica de banana tinha. Pra completar era tão preguiçoso que não dava nem pra roubar goiaba. Só servia para remexer os dedos do pé até estalar, com o corpo de piaba todo espichado na rede. Mas nem sempre foi assim. No dia em que descobriu que Maria Pitá gargalhava em sua presença por nervosismo, e não por deboche como imaginara, jogou no lixo todas as Marias que desabrochara e caiu nos braços da única Maria que amou.

Como tudo se deu só o João mesmo para contar. Mas é certo que foi daí que tomou rumo e deu um jeito na cidadezinha. Foi trabalhar, virou prefeito e tirou o lugar da sua semelhança. Deixou-lhe até bonitinho. Chutou a preguiça lá pras bandas do oeste e mandou a sem-vergonhice pastar. Hoje, tanto tempo depois, toda a redondeza tomou tento da história de João e Pitá.

Até o jovem Manolo conhece o causo. Ele, que se diz filho de João e Maria Pitá, ganha a vida a contar aos visitantes a proeza do seu suposto pai. Vem gente de toda a parte, sempre disposta a escutar a mesma história. Mas nem Manolo, nem ninguém, consegue dizer que fim o velho casal foi dar. Sumiram.

E dia desses, um alemão e um americano deixaram umas moedas no chapéu, enquanto ouviam,feito pastor, o pequeno Manolo a pregar.
Só faltou o púlpito. Depois do aplauso, o americano até refletiu que “devem ter vivido felizes para sempre”. Já o alemão balbuciou que “se não morreram é porque estão vivos até hoje”. E o Manolo, que nem é bobo, logo catou as moedas e foi sambar na praça. Lá conheceu a Maria Fina e, como todo bom João, tratou de agradá-la.