22 novembro 2008

Pobre Somália

A Somália, ex-colônia italiana e britânica, voltou aos jornais. Mais especificamente os somalis, que correspondem a 85% da população do país no Chifre da África. Com 48 anos, as imagens que o mundo se acostumou a receber deste lugar, principalmente nos anos 90, são cenas da guerra civil, fome e miséria. A catástrofe, dizem especialistas, é resultado de conflitos com a Etiópia e dos “senhores da guerra” patrocinados pelos EUA. Quem não leu muito jornal, mas não deixou a pipoca do cinema de lado nos últimos anos, talvez tenha assistido à versão hollywoodiana em Falcão Negro em Perigo. Na tela e na vida real, 18 soldados norte-americanos morrem na frustrada operação e os Marines se retiram. Para o Estado esfacelado, as tropas da ONU deram tchau em 1995.

Evidente que as operações da última década não eram altruístas. Tampouco a engenhosa ação preparada nos útlimos dias por marinhas de países como EUA, Alemanha, França, Grã Bretanha, Rússia e Coréia do Sul. Diante da crescente pirataria somali no Golfo de Áden, as nações estão dispostas a impedir que petroleiros dêem mais prejuízo no desvio de rota para fugir dos recentes seqüestros de navios e do superpetroleiro saudita com US$ 100 milhões em petróleo. Até a privada Blackwater, o exército mercenário que matou no Iraque, se ofereceu.

É a lógica da globalização. Se é que há lógica no mundo que paga o pato de executivo que ganha os mesmos US$ 100 milhões do petroleiro nos cinco meses antes da atual crise econômica. A lógica? A Somália ficou renegada à prórpia sorte desde sempre, destruída. Como dizem, se um país, ainda mais uma terra de ninguém, não tem nada a oferecer, ele terá o pior destino possível: não será “nem” explorado. Esquecida, ironicamente, a Somália volta em 2008 pelas mãos dos piratas.

A pirataria somali começou na década de 1990. Segundo a ONU, já são 65 navios seqüestrados neste ano. Um terço da população da Somália, 3,2 milhões de pessoas, necessitam de ajuda humanitária.

foto: Sebastião Salgado

20 novembro 2008

FICÇÃO - Como Winehouse para Lady Di

Priscila nasceu para ser a exceção à regra. Os pais, que esperavam por menino, nada fizeram para evitar as combinações disponíveis em verde e azul para as primeiras roupas. Talvez seja a razão da natureza contraditória que cedo se manifestou na sua vida. Podia ser sórdida e dócil, com a delicadeza dos brutos. Se mulheres viessem ao mundo com um manual de instruções, ele fracassaria com ela. Priscila é, até hoje, o exemplo maior da espécie feminina que vigora no século XXI. Nunca vi força semelhante capaz de chicotear na cara dos teóricos de plantão que mulher reúne o sim e o não. Depois dela fico até envergonhado em reconhecer que homem é bicho reduzido e maniqueísta, água ou vinho. Elas, só elas, são capazes de misturar o sagrado ao profano, Foucault com You Tube, spinning e pilates.

Algumas verdades do senso comum se desmancharam em mitos. Ir ao banheiro em grupo. Para Priscila, banheiro era o lugar de estar só, na intimidade em fuga de um mundo com bilhões de formigas. Mas, quando viu no cinema a executiva convicta recolher-se no toalete da empresa em que trabalhava para berrar toda a raiva que em silêncio cultivava cirroses, considerou aquilo tão ridículo que readmitiu a idéia do bando para a fofoca do pipi. Anos depois a questão ganhou asas comerciais, banheiro feminino virou nome de site e ela esteve certa de que o fim dos tempos estava próximo.

Se a moda prenunciava o uso de scarpin, ela arrancava as galochas do fundo do baú e causava alvoroço na rua. Todas as atitudes indicavam que tinha maneiras próprias de se colocar no mundo. Feliz por não ter nascido na época da sua bisavó, compreendia o casamento encomendado e os crochês pelo resto da existência como males evitados pelo tempo e pela ordem de chegada dos espermatozóides nos óvulos, que desviaram a sua existência da era Cenozóica para que pudesse desabar de pára-quedas no mundo dos homens que assumem sem remorsos o ofício de babás. Seu mamão com açúcar predileto era perceber que sexo não é mais aula de anatomia e que ninguém pensa em apedrejar a Madonna.

Quando nos conhecemos, ela implorava por um Engov em algum bar que fiz questão de esquecer. Organismo recomposto, o perfil “eu sou pós-feminista” foi tudo o que captei. Feito macho moderninho, concordei com todo o liberalismo: a cabeça pra cima e pra baixo diante da autêntica Amélie Poulain na contramão, a do contra. Gargalhada feroz foi resposta que doeu nos ouvidos. Eu, o macho altamente desesperado por um manual de instruções, fiquei sem graça. Ela, atrás dos imensos óculos de mosca, se virou e foi embora para nunca mais.

Guardo lembranças daquele ser que daria orgulho a Darwin. Fui para casa, recolhido, insignificante e perdido ao lado de tantos reduzidos e maniqueístas que perambulam por bate-papos virtuais. Hoje, o cenário invertido e tudo, tenho amigos companheiros nas idas ao banheiro masculino. Nada das velhas piadas machistas. Conversamos sobre Priscilas e suas charadas. Todos me garantem a permanência de duas verdades imortais: mulher nenhuma espera ser chamada de engraçada, nem perguntas sobre quantas primaveras carregam nas olheiras e rugas.
Que desgraça! Priscila já dobrou trezentas esquinas depois daquele dia, aderiu e abriu mão do bando do pipi outras trezentas e nós teimamos em escrever outro manual.

12 novembro 2008

Short Shirts

Conheci Matthew Shirts, o californiano tupiniquim que escreve crônica toda segunda-feira no Estadão e chefia a redação da National Geographic brasileira. Matt é mais engraçado falando do que escrevendo. Para uma colega que perguntou como fazer um jornalismo mais divertido ele deu de presente a gargalhada quilômétrica antes de lembrar que as pautas da nossa grande imprensa são guiadas pela miséria, corrupção, subdesenvolvimento e pela "sensação de que algo não deu certo na trajetória". Poderíamos gastar alguma energia com o humor, com as nossas qualidades e com o povo brasileiro, "que se entende muito bem", segundo Matt.
Obrigado a Shirts pelo momento de leveza. Seria muito bom ampliar olhares e ouvidos ocupados demais com o grampo e os arapongas da impunidade e do Deus dará de sempre. O Brasil oficialesco raso não merece a comparação com as cores do Brasil profundo. "Afinal, as coisas poderiam estar piores", disse Matt. Seguiu-se uma nova gargalhada e eu nem conseguia imaginar qual cenário poderia ser pior.