31 março 2009

Mentira de dia

Já sabemos: abril começa com o dia da piada obsoleta. Aproveitando as novas mídias, uma algazarra das fake news pode se repetir, sem dispensar, é claro, uma mãozinha da falta de criatividade em massa. O bobo dia da mentira é igual a conversa de elevador - sempre igual, sem graça e descartável. Um pouco da Guerra dos Mundos narrada por Orson Welles nas fábulas mais recentes? Pelo contrário, está programado. A data no calendário só para as enganações virou até desculpa para ações de marketing. Mas não adianta: mentira boa e sincera não tem dia.
Algumas verdades, se arruinadas, aliviariam a vida. Como não há meios de se conseguir uma máquina da spotless mind, alguns acontecimentos bem que podiam estar fincados no terreno da ficção. Há 45 anos, algumas imagens e notícias poderiam não ter sido reais.



(Editorial do Correio da Manhã, 1/04/64): "Só há uma coisa a dizer ao Sr. João Goulart: Saia!"

('São Paulo repete 32', de O Estado de S. Paulo, 1/04/64): "Minas desta vez está conosco (...) dentro de poucas horas, essas forças não serão mais do que uma parcela mínima da incontável legião de brasileiros que anseiam por demonstrar definitivamente ao caudilho que a nação jamais se vergará às suas imposições."

(O Globo, de 2/04/64): "Fugiu Goulart e a democracia está sendo restaurada (...) atendendo aos anseios nacionais de paz, tranqüilidade e progresso (...) as Forças Armadas chamaram a si a tarefa de restaurar a Nação na integridade de seus direitos, livrando-a do amargo fim que lhe estava reservado pelos vermelhos que haviam envolvido o Executivo Federal".

Mais aqui.

29 março 2009

Shit happens


No universo das inutilidades na web, o último site que conheci foi o Vida de Merda. Funciona assim: você posta alguma situação que vivenciou para receber comentários e avaliação. Os leitores podem dizer se "você mereceu" ou "é, sua vida é uma merda". Para quê? Não sei.

Os simpatizantes da ideia podem pensar "bom saber que outras pessoas também estão na merda", mas isso também não faz nenhum sentido. Sim, é mais um grande besteirol e só lá mesmo para ler um post desses: "Hoje, fui almoçar no McDonalds e pedi uma salada. O atendente olhou para mim e falou: bom, ao menos você está tentando".
Perceba que, se as imperfeições da vida são constantes, nada mais estranho do que perder tempo em relatar, rever ou acompanhar divertidamente as desgraças de cada dia. Concordo que são curiosas e essa é a garantia do sucesso do site. Certamente há ficcionistas anônimos que inventam as suas prórpias desgraças. É tudo uma grande... bem, isso mesmo.
Bizarro mesmo é constatar uma verdadeira competição para ver quem tem a vida mais cagada. Posso estar na contramão, mas acho que de lamentações o mundo está cheio e geralmente as desgraças que deveriam importar não vão para a internet. Não espero bobos alegres, mas um mosaico de lamentações virtuais é uma inutilidade. E inutilidades são inúteis (redundância necessária).
Em "Forrest Gump", o contador de histórias (Tom Hanks) atravessa os EUA correndo, reúne seguidores na sua empreitada e se depara com um publicitário atrás de slogan. Gump nos dá a receita: "às vezes, merdas acontecem". Não vale exagerar. C'est la vie.


Veja o 'shit happens' de Gump a partir de 4:18

28 março 2009

Dines mira Lula

A declaração "gente branca, de olhos azuis" disparada por Lula no encontro com Gordon Brown não causou apenas constrangimento ao premiê britânico, mas muita reação e algumas análises. Hoje, Lula tentou consertar e disse que se referia a imigrantes na Europa. Desde que ouvi a nova gafe do presidente insisti que ela não era apenas uma falta de respeito, um escorregão de etiqueta. Só hoje li o excelente texto do Alberto Dines, que tem toda a razão:

"A descortesia com o visitante, o premiê britânico Gordon Brown - escocês de nascimento, pele clara, olhos claros - é uma delas. O reacionarismo é outra. George Brown, à esquerda do novo PT, tem sido um ostensivo herdeiro da tradição social-democrata britânica, cobrador rigoroso das falhas do sistema financeiro britânico, defensor de soluções intervencionistas em favor da poupança popular. Como anfitrião e candidato a líder mundial, Lula deveria conhecer alguns dados que, aliás, qualquer leitor regular de jornais está farto de saber."

Leia a íntegra do artigo de Dines.

Foto: Evaristo Sa/AFP/Getty Images

26 março 2009

Hillary falando é coisa de cinema

No México, Hillary Clinton resolveu agradar as autoridades locais e afirmou que os EUA são corresponsáveis pela violência do tráfico. Desde 2007 são quase oito mil mortes envolvidas com drogas e armas contrabandeadas no país.
Um dia antes da visita de Hillary, os EUA lançaram plano de US$ 700 milhões para interceptar imigração, capturar drogas, armas e integrar agências. Uma medida recente é polêmica: jogar veneno nas margens do Rio Grande para conter imigrantes ilegais.
A declaração parece coisa de cinema. Lembrei do "thank you" à recepção mexicana para os norte-americanos retirantes de "O dia depois de amanhã". Ficção das grandes. Já que o mea culpa parece filme, de onde veio a inspiração de Hillary?

"Chamas da vingança": Na Cidade do México, uma onda de sequestros de civis relacionados ao crime organizado é o tema central do drama de John Creasy (Denzel Washington), um ex-agente da CIA manguaceiro e barrigudo.


"O Senhor das Armas": Yuri Orlov (Nicolas Cage) trafica armas, é perseguido e vive uma chicletona crise de ética com a fome e a miséria geradas pelo contrabando que articula. Com o binômio arma-droga e os lugares no mundo conectados pelo tráfico qualquer um acredita ter vizinho com AK-47. E ser o culpado.


"Traffic": O filme de Steven Soderbergh tem de tudo - tira corrupto, agentes da Drug Enforcement Administration (DEA), o cartel de Tijuana, traficante cornão e uma viciadinha americana que transa com outros doidões e torra a grana do papai-juiz-antidrogas.

25 março 2009

BBC Brasil com cara e corpinho 2.0

Foi lançado oficialmente o novo site da BBC Brasil. Novidades no conteúdo e nas ferramentas multimídia foram apresentadas hoje. A página da matriarca britânica na web já havia sido reformada há um ano. Mais interatividade, blogs e, na falta de melhores apelidos, "novas tecnologias". Agora é a vez da home brasileira.

Três promessas me deixaram satisfeito com a moderninha BBC Brasil: a rede continua a abastecer outros veículos; Ivan Lessa ainda está lá com tiradas impagáveis; jornalistas daqui desenvolverão mais conteúdo próprio. A série de reportagens sobre os BRICs (como são chamados Brasil, Rússia, Índia e China) é atração no novo portal. O especial estreia segunda-feira, dia 30.

"Conteúdo mais atraente para o público brasileiro", promete o CEO da BBC Brasil, Rogério Simões. Para a série "BRICs 2020", cinco repórteres brazucas viajaram para cobrir o futuro dos emergentes. Trouxeram fotos, textos e vídeos. Se você se interessa, fica a dica: a série terá entrevista com o economista Jim O´Neil, criador da sigla.

Déjà vu

Acompanhar as mudanças da BBC me lembrou a faculdade. Ah, as eternas discussões sobre a tevê pública! A British Broadcasting Corporation sempre citada como exemplo. "Se fosse uma BBC...", todos falavam.

Mas o mundo não passa só na tevê. Muito menos em 2020. E se na internet há quem promete algum jornalismo independente, vamos pagar para ver e torcer pelo êxito. Afinal, além de notícias do Brasil no mundo, qual outro site poderia dar chance ao Malabares de repercutir feitos como o leilão de calcinhas da Rainha Vitória?

Dê seu pitaco: um fórum recebe opiniões sobre o site.


23 março 2009

Soltamos a franga há 15 anos

Todo ano é igual. Falam e vão falar da inflação de 5000% nos meses anteriores ao feito; o atual governo colocará na mesa que sem a melhoria dos fundamentos econômicos e o superávit primário tudo iria por água abaixo; os louros da conquista, pelo menos nos holofotes mais apressados, cairão novamente no colo de FHC. Todo ano é igual.

Com uma data tão “redonda”, não tenho dado muita bola para o lengalenga de sempre. São 15 anos de Real. Da transição, quem não se lembra da novidade nas plaquinhas com os preços nas lojas? A Unidade Real de Valor (URV) parecia um palavrão, uma sigla misteriosa, poderia ser a União da Rabeca Violada, história da carunchinha, mais uma, já estávamos calejados. Bastou a comovida e boba felicidade com as cédulas novas por toda parte. Uma moedinha de 10 centavos comprava um pão. Não importa a denominação dada em cada recanto - cacetinho, francês, média, carioquinha, filão. O pãozinho nosso de cada dia valia uma moeda. Quer marketing melhor para um plano?



A moeda antiga e o "gaúcho" da nota de CR$ 5 mil foram para o saco em 1994

Eu tinha 10 anos. Acompanhei parentes num caixa do banco para trocar o dinheiro velho pelo novo. CR$ 2.750 valiam R$ 1. Uma moeda ou um beija-flor verdinho garantia um quilo de frango, outra carta na manga da propaganda estatal. Além de ser o bicho elevado à categoria de “herói da moeda”. Dias de glória para a frangaiada.

Hoje, o Roda Viva recebeu FHC. Ninguém lembrou do pobre frango. Para os temas mais espinhosos, o ex-presidente usou o “nosso” e o “nós”, mas o singular veio na hora dos louros. “Apanhei muito”, admitiu para explicar como aprendeu a adotar metas de inflação e câmbio flutuante. Como ninguém é de ferro, se rendeu: “Em vários momentos da vida não se faz nada sozinho”. Ainda bem.




18 março 2009

Clodovil acharia brega

Muitos se contentaram em falar como ele foi ferino e extravagante. Mas, polêmico que foi, Clodovil Hernandes não mereceria uma cobertura da sua partida com o mesmo solene conservadorismo dispensado ao noticiário dos falecimentos triviais. Mal saíra a nota sobre a sua morte cerebral e a Folha publicava na internet uma notícia relacionada ao futuro do personagem Clô. Protagonizado pelo ator Wellington Muniz (o Ceará), ele infernizou o deputado e estilista em vida.

Nessa mesma primeira hora de anúncio oficial do falecimento, um sem-número de posts com as palavras "clodovil" e "purpurina" dominava o twitter. Tanto que alguns usuários já demonstravam não aguentar mais a óbvia e batida "Clodovil não morreu, virou purpurina". Mas não adiantou, muita gente deu seu pitaco versado na piada pronta.
Para mim, o texto mais bacana ficou por conta do Tas, mas a pérola do dia foi do jornal Meia Hora, expert em sensacionalismo. O apelo dos twiteiros não adiantou para este carioca sem noção. A "purpurina" foi parar na capa. Clodovil acharia brega.


Radiohead cá entre nós

Faz uma semana que queria escrever sobre Radiohead. Falar sobre a primeira aparição deles no Brasil, a importância de discos como OK Computer, The Bends e In Rainbows. Além do som mais sincronizado com medos e apelos contemporâneos, trata-se da banda mais em dia com os novos rumos do mercado fonográfico. E isso não é pouco. Há dois dias, o Discografias faleceu no Orkut. A comunidade tinha 920 mil membros. Muitos se dizem órfãos. Por essas e por outras - a sonoridade da banda é a cara da década, dizem os mais entendidos - Radiohead e a sua vinda para o Brasil devem nos lembrar das desavenças existenciais, as tramóias da liberdade de ser-consumir e tantas outras "idioteques" dos nossos dias mais recentes.
Não posso fazer mais do que indicar o texto exato e em dia do Alexandre Matias, no trabalho sujo. Ele já disse tudo. Boa leitura. E o resto é só deixar por conta de Thom Yorke e sua trupe.