28 dezembro 2009

Meus prediletos em 2009

É incrível, mas mesmo em um ano de muita, muita correria, pude ler livros. Não foi “um metro de livros”, como recomenda Paco Sánchez, mas um número respeitável de clássicos e bons lançamentos. 2009 me permitiu, enfim, descobrir Borges, Cortázar, Roth e Orwell. Era certo que agradariam. Por isso, melhor do que falar de renomados do passado é destacar o lançamento que mais encheu os meus olhos. Antes que fosse à livraria, o exemplar chegou pelos Correios, presente do querido amigo Goiaba, quase um rondoniano a essa altura.

Foi um livro que pude ler sem pressa e até reler antes do fim, só para saborear mais a sua prosa envolvente e a narrativa vigorosa. Confesso que mergulhei fundo no labirinto de muros e nas terras gélidas da Rússia contemporânea enquanto saboreava este último romance do escritor e jornalista Bernardo Carvalho, obra do polêmico projeto Amores Expressos e ainda melhor (na minha modestíssima opinião) do que os já bons Nove noites, Mongolia e O sol se põe em São Paulo.

O filho da mãe é daqueles livros com começo, meio e fim (acho que entendem o que quero dizer). Ele se fecha. A história de amor e dedicação de mães que sobrevivem para salvar a pele dos filhos da guerra entre Rússia e Chechênia comove porque serve com o pano de fundo para temas muito mais gelados do que São Petersburgo. Das páginas de O filho da mãe emerge a força do preconceito, do ódio, da homofobia e do desamparo.

Em meio a tantos espinhos, o livro provoca uma experiência melancólica e triste no leitor: o romance bate na tecla das coisas que perdemos. Mais: do que já está perdido. Impossível enfrentá-lo sem que nossa mente não se acomode no terreno mais fértil para pensar em como e até quando conviver com o que se perde.

Agradeço a Bernardo Carvalho por me fazer experimentar no drama de Ruslan e de seus personagens parceiros uma possível beleza e urgência de vida quando percebemos que nada é mais certo neste mundo do que a chegada, dia que for, do que sempre esteve perdido. Tal qual está dito em Amores Perros, na filmagem de Iñarritu, “somos o que perdemos”.


Responde a verdade: você esperava um grande trabalho do Otto? Preciso dizer, o pernambucano me fisgou com Certa manhã acordei de sonhos intranquilos. Aos 49 do segundo tempo, na metade de novembro, resolvi baixar o disco e não acreditei no que ouvia. O sujeito levou um tempão para gravar de novo e fez um baita disco, não dá para negar. Para a turma do amendoim que repetia "ele não tem mais nada de relevante para oferecer", a resposta veio literalmente em bom som. Está guardada aí, em 10 músicas de primeiríssima categoria para destilar mágoas. Mais um daqueles discos originais e, o melhor, sem cheiro nem cor de ET.
Evidente que se trata de um álbum com forte apelo pessoal e autoral. Ainda bem, não? E, claro, o nome (inspirado na abertura da Metamorfose de Kafka) indica que o mangueboy mudou.
Existe tanta dor e beleza nas letras, mas também existem parcerias felizes e um inesperado caminho próprio das melodias. Quando menos se espera, você está dando uma volta por aí, cantarolando um coral lindo de morrer. Desafio qualquer um com alguma capacidade auditiva a ouvir e não se apaixonar por um par dessas músicas. Ouça aqui, meu filho.

Para mim, o melhor álbum do ano é do Otto. '6 minutos' bateu de jeito, 'Filha' doeu que só, 'Naquela mesa' ganhou versão bamba e 'Agora sim' encheu o meu coração. Obrigado, Otto. Que muitos e muitos shows possam coroar este belo trabalho. Coisa finíssima, disco de verdade.
Não há muito o que falar sobre o cinema de Tarantino. E eu não vou dissertar sobre a sua estética. E Bastardos Inglórios é um p#t@ filme. E são histórias infames que colam o telespectador na poltrona. E quem não gostou deste filme-sátira merece arder no fogo do inferno. Ponto. Existem cenas que jamais saíram da minha cabeça. Que Tarantino continue a produzir essas drogas viciantes.

Para mim, Pulp Fiction dificilmente será batido. Trata-se de um filme que eternizou a Mia (Uma Thurman) levando injeção cavalar de adrenalina no coração, miolos estourando e espirrando sangue dentro de um carro ou a mesma Mia acompanhada de Vincent Vega (John Travolta) na lanchonete que vende um misterioso milk shake de 5 dólares.

Porque lembrar Pulp Fiction? Porque certamente guardarei na mesma gaveta de lembranças cenas como a do excelente coronel nazista Hans Landa (do genial Christoph Waltz) a comer gulosamente seu strudel com creme enquanto conversa com Shoshanna Dreyfus (Mélanie Laurent), a judia que viu toda a família ser exterminada pelo próprio Landa. Os dois fazem ainda outras cenas espetaculares, como a que Landa pede para Shoshanna calçar o sapato que serviria como prova para incriminar a pobre garota.

Aliás, Hans Landa foi o mais apaixonante vilão do ano. Já Bastardos Inglórios foi o melhor e mais original filme que pude assistir em 2009. Até mesa redonda de futebol na TV parou de falar do Brasileirão para elogiar o filme, que chamaram de um "gibi filmado". Quem viu sabe que não estou mentindo. O jornalista mais apaixonado por Tarantino se chama Juca Kfouri. O segundo mais apaixonado é o Fernando Calazans.

Obama disse que Lula é o cara. Isso porque ele não conhece nenhum roteiro do Tarantino. Ainda.


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Amigos sobreviventes, desejo para vocês um feliz 2010, o último ano de uma década muito louca.