29 agosto 2005

A profecia da morte de uma ilusão - PARTE II

Como eu dizia anteriormente: a tevê. Ah, a tevê. Que coisa, não? Curioso perceber como nossos homens e mulheres da classe média limpinha se ajeitam nas suas poltronas ao fim do dia. Como caçam o controle remoto e acionam estas “caixas das mentiras verdadeiras”. Na sua grande maioria com engrenagens nipônicas, design alemão e telas norte-americanas. Um verdadeiro artefato globalizado!
E os homens e mulheres supramencionados assistem, portanto, às baboseiras de sempre e vêem um Bush em Washington, um Bento XVI no Vaticano e as terras longínquas que mais parecem “infernos na Terra”. Por fim, se entopem com o circo das ilusões.
Estes homens, sonolentos, vão para cama acreditando que irão dormir o sono dos justos, depois de tanta correria no “paraíso” capitalista contemporâneo. Mas alguns deitarão desacreditando ainda mais na liberdade – afinal os valores são relativos, não é mesmo? Entenderão também, estes da “turma da descrença”, que aquela velha história de que “toda forma de amor é válida” era balela. A cartada maior será um outdoor da Coca-Cola nos metrôs e pontos de ônibus com as inscrições: “viva o que é bom”. Mas ninguém mais sabe o que é bom.
Ainda sobre nossos homens e mulheres, vale lembrar que não entenderão muito além do que lhes é permitido entender. Os dias passarão e entender requer pensar. E como pensar demanda tempo, o tempo é sagrado para a espiritualidade da pós-modernidade. O tempo, todo ele, é dinheiro.
Alguns destes seres terão filhos. Outros recordarão algumas linhas das “Memórias póstumas de Brás Cubas” e afins. Os que se recordarão não irão perpetuar o tal do “legado da nossa miséria”. Já os esquecidos irão sofrer ao garantir a sobrevivência da espécie tentando construir pedagogias lineares em tempos de leituras nodais e cibernéticas.
Mas todos terão, talvez, apenas a sensação de que o quadro de troféus e louros do século XX não foi devorado por cupins, era simplesmente farsa. A ilusão da conquista será, enfim, a única “moral da história” na hora de acordar. Pela manhã só restará a satisfação fugaz de que assistiram a peças diárias nos teatros sem pagar um tostão sequer. A ilusão do sim se prolongará por todo o sempre até o fim. E olha que muitos dizem já ter visto o tal do fim, e ele não era no cinema não.

15 agosto 2005

A profecia da morte de uma ilusão - PARTE I

O que seria o real progresso do Homem, afinal? Não me refiro ao progresso material e à velocidade da comunicação moderna. Nem ao intercâmbio econômico e cultural entre os povos ou coisa parecida. Falo do pensamento humano. De um pensamento nômade e mutante, associado ao próprio caminhar do comportamento das sociedades.
Sem dúvida, o século XX teve a relevância de um milênio na História da humanidade. Mesmo Hobbsbawn, ao chamá-lo de “século breve” (1914-1991), não desconsiderou a proporcional importância do período. A magnitude de sua significância dentro da cronologia da história das sociedades na Terra é inegável.
Direitos trabalhistas, expansão do fazer e pensar artístico, Woodstock, liberdade de imprensa, hippies, ascensão e queda de experiências socialistas, Ghandi, fóruns, feminismo, Luther King, independências na África e na Ásia, movimentos libertários, projetos de governos democráticos, ufa! A listas das conquistas e feitos que transformaram o pensamento e os posicionamentos humanos no século passado vai longe. Novas idéias surgiram e se materializaram, outras ficaram tímidas e hibernando no plano da idéia mesmo. O neoliberalismo, por exemplo, passou a imperar nas maiores economias do mundo como espécie de alicerce que serve (serve?) de remendo para uma constatação que ficou cada vez mais gigante diante até dos mais céticos: os ricos existem e os pobres por conseguinte também. E mais: as riquezas da Terra não seriam distribuídas em igualdade nunca, em tempo algum.
Muitos desses pensamentos, como o neoliberalismo novamente e a social-democracia, se encarregaram majestosamente de jogar o modo de vida moderno, a família, a ética, o pluralismo e aqueles valores "intocáveis" num liquidificador dos segredos de Cazuza, espirrando seus excessos nos papéis que cobrem os outdoors e nas projeções de tevê. Tudo bem difuso, quase subliminar, tão escondido que acreditamos fielmente que produções sofisticadas e modernas como as da Pixar são para adultos e crianças de todo o mundo assistirem sem preocupações. Para crianças sim, afinal são apenas desenhos animados e ingênuos, não são? São ou não são meus coleguinhas?