25 novembro 2005
Diogo é um engodo
10 setembro 2005
Então deixa eu dormir
Durmo, fecho na cama um livro qualquer que expulsou Neruda da minha cabeceira e sonho com um velho que me diz: 'A gente não deixa nada nesta vida. Não nos foi dado o poder do deixar, do permitir. Quem disso duvida é porque não escorregou da nau ainda.
Eu costumava dizer que não deixaria as fraquezas das crendices humanas - todas falhas, julgava eu - me corromperem. Mas corromperam não só a mim, meu filho. Corromperam todo o meu embolorado ceticismo também.'
'Como assim?', perguntei.
'É que eu pensava: como tudo é uma tristeza só, eu, na caridade de sempre, deixo histórias sem os finais que merecem, a fim de dar vez aos otimistas para que conjuguem todo o delírio das variáveis de uma felicidade tola e grudenta. Aquela felicidade geral, das mentes sem juízo. Felicidade que não deixava de ser vã para a minha razão. Nem chamava de rara, meu caro. Inexistente, essa era a palavra.'
'E?', indago ansioso.
'E eu me retirava. Assim, como quem nada quer dos salões. Ficava na espreita, de olhos bem abertos para ver as cartadas finais que o público teimava em sentenciar. Todos eram juízes dos mundos alheios, mas nunca dos seus, eu pensava. O que é uma verdade, mas incompleta. E, como animal tão falho quanto os que me cercavam, me mandava embora com a impressão estúpida de ser o detentor da moral e das morais. Ledo engano!'
'E depois disso tudo?', perguntei ao velho que já não mais pertubava meu sono.
'Ah, meu rapaz! Depois, como ironia do destino, houve um tempo em que chovia. E eu, na inconsolação das noites e das palavras, passei a procurar aconchego nos travesseiros e lençóis de quem já sabia e me aguardava. Fechava os olhos depois de fechar a boca para um último gole e com um beijo na testa já podia dormir certo da mesma felicidade que antes me parecia besta. Ainda rara, confesso. Mas só minha desta vez.'
'A alegria não lhe recolhia mais a mão, então?', quis saber.
'Não. A vida veio, foi e continuou, cheia do novo. Fiquei bobo e piegas, feito aquelas vítimas dos meus deboches. Mas só ficava assim para quem me aguardava naqueles travesseiros e lençóis. Sabe como é, né? A gente tem que manter a firmeza diante do público!'
'Sei', eu disse em meio a uma risada.
'E, assim, tudo se fez. Me perdi, me encontrei, me achei. Meu pôr-do-sol continua o mesmo. Não sou louco não, mas tenho tido a mania de falar comigo mesmo diante do espelho. E mesmo hoje, cheio das palavras e clichês e flores, só acolho os pássaros recém-chegados em minha janela. Neruda, longe da minha cabeceira, só volta se for para me lembrar que sou primavera e cerejeira. Nem mais o pássaro do Vinícius dá tanto as caras por aqui. Só a janela do Vininha. Dessa vez com um bobo no lugar do pássaro pedinte de versos tristes. Na janela restou um bobo feliz que ao amanhã nada mais diz. Um bobo feliz.'
29 agosto 2005
A profecia da morte de uma ilusão - PARTE II
E os homens e mulheres supramencionados assistem, portanto, às baboseiras de sempre e vêem um Bush em Washington, um Bento XVI no Vaticano e as terras longínquas que mais parecem “infernos na Terra”. Por fim, se entopem com o circo das ilusões.
Estes homens, sonolentos, vão para cama acreditando que irão dormir o sono dos justos, depois de tanta correria no “paraíso” capitalista contemporâneo. Mas alguns deitarão desacreditando ainda mais na liberdade – afinal os valores são relativos, não é mesmo? Entenderão também, estes da “turma da descrença”, que aquela velha história de que “toda forma de amor é válida” era balela. A cartada maior será um outdoor da Coca-Cola nos metrôs e pontos de ônibus com as inscrições: “viva o que é bom”. Mas ninguém mais sabe o que é bom.
Ainda sobre nossos homens e mulheres, vale lembrar que não entenderão muito além do que lhes é permitido entender. Os dias passarão e entender requer pensar. E como pensar demanda tempo, o tempo é sagrado para a espiritualidade da pós-modernidade. O tempo, todo ele, é dinheiro.
Alguns destes seres terão filhos. Outros recordarão algumas linhas das “Memórias póstumas de Brás Cubas” e afins. Os que se recordarão não irão perpetuar o tal do “legado da nossa miséria”. Já os esquecidos irão sofrer ao garantir a sobrevivência da espécie tentando construir pedagogias lineares em tempos de leituras nodais e cibernéticas.
Mas todos terão, talvez, apenas a sensação de que o quadro de troféus e louros do século XX não foi devorado por cupins, era simplesmente farsa. A ilusão da conquista será, enfim, a única “moral da história” na hora de acordar. Pela manhã só restará a satisfação fugaz de que assistiram a peças diárias nos teatros sem pagar um tostão sequer. A ilusão do sim se prolongará por todo o sempre até o fim. E olha que muitos dizem já ter visto o tal do fim, e ele não era no cinema não.
15 agosto 2005
A profecia da morte de uma ilusão - PARTE I
Sem dúvida, o século XX teve a relevância de um milênio na História da humanidade. Mesmo Hobbsbawn, ao chamá-lo de “século breve” (1914-1991), não desconsiderou a proporcional importância do período. A magnitude de sua significância dentro da cronologia da história das sociedades na Terra é inegável.
Direitos trabalhistas, expansão do fazer e pensar artístico, Woodstock, liberdade de imprensa, hippies, ascensão e queda de experiências socialistas, Ghandi, fóruns, feminismo, Luther King, independências na África e na Ásia, movimentos libertários, projetos de governos democráticos, ufa! A listas das conquistas e feitos que transformaram o pensamento e os posicionamentos humanos no século passado vai longe. Novas idéias surgiram e se materializaram, outras ficaram tímidas e hibernando no plano da idéia mesmo. O neoliberalismo, por exemplo, passou a imperar nas maiores economias do mundo como espécie de alicerce que serve (serve?) de remendo para uma constatação que ficou cada vez mais gigante diante até dos mais céticos: os ricos existem e os pobres por conseguinte também. E mais: as riquezas da Terra não seriam distribuídas em igualdade nunca, em tempo algum.
Muitos desses pensamentos, como o neoliberalismo novamente e a social-democracia, se encarregaram majestosamente de jogar o modo de vida moderno, a família, a ética, o pluralismo e aqueles valores "intocáveis" num liquidificador dos segredos de Cazuza, espirrando seus excessos nos papéis que cobrem os outdoors e nas projeções de tevê. Tudo bem difuso, quase subliminar, tão escondido que acreditamos fielmente que produções sofisticadas e modernas como as da Pixar são para adultos e crianças de todo o mundo assistirem sem preocupações. Para crianças sim, afinal são apenas desenhos animados e ingênuos, não são? São ou não são meus coleguinhas?
29 julho 2005
Recado dado, recado é "4"
Não somente a barba dos hermanos cresceu. A grata surpresa do quarto álbum do quarteto carioca Los Hermanos parece simples até no nome. Parece apenas. "4", assim, numeral mesmo, é o novo disco do grupo. Após "Ventura", terceiro disco da banda, era inegável a grande expectativa de todos por novas músicas que consolidassem a identidade lançada por esses rapazes. Isto, é claro, após a superação da imagem de banda de uma música só - a já tão distante Anna Julia. Com "4", fica evidente que o sucesso alcançado após "Ventura" não foi acidental e que a banda é mais MPB do que nunca.
O novo trabalho é basicamente equilibrado e mais, mais de tudo. Equilibrado porque nesta nova jornada parece que os hermanos encontraram um nível ideal, em que os arranjos, as letras e as linhas melódicas se harmonizam, se completam. Uma coisa à serviço da outra. Nos álbuns anteriores havia certo desnível - intencional talvez, quem sabe - entre arranjos e letras. Em "O Bloco do Eu Sozinho", por exemplo, os metais falavam bem alto e as letras ainda tinham vestígio de certo grito até carnavalesco, resquício do primeiro álbum, "Los Hermanos". Em "Ventura", por sua vez, o quarteto preferiu dar mais espaço para as letras, ponto forte do trabalho. Já em "4", tudo parece se relacionar e se comunicar em delicioso equilíbrio.
E "4", como foi dito, é mais porque é realmente mais. Mais existencial, mais depressivo em muitas faixas e mais Los Hermanos. Novamente com a produção de Kassin, "4" traz 12 canções. Menor número entre os quatro álbuns da banda até agora. São 7 de Marcelo Camelo e 5 de Rodrigo Amarante. Muitas delas com arranjos de sutil beleza, como é o caso de "Dois Barcos" - música de Camelo que abre o disco - que conta com clarinetes, trompas e fagotes. Ponto alto também é a singela e filosófica "Os pássaros", com aquela voz arrastada de sempre de Amarante. Nesta canção se faz presente o sintetizador de Bruno Medina, semelhante ao que acontece com outras faixas.
A ausência aqui é apenas de uma música comercialmente forte como aconteceu com "Cara Estranho" em "Ventura". O novo álbum também terá tiragens limitadas em vinil e "O Vento", cantada por Amarante, como música de trabalho. Uma canção bem gostosa, também com sons do sintetizador de Medina e com a voz do Amarante naquela cadência já vista na antiga "Um par". Contudo, fica evidente que, se depender dos fãs que sempre lotam os shows da banda pelo país, "O Vento" não será a única na ponta da língua do público. Já "Horizonte Distante" parece ser a mais fraca deste "4".
No mais, o disco é singelo e carregado de uma MPB cada vez mais contemplativa, evidente na linda "Sapato Novo". "4" é bom para dançar coladinho - "Morena" e "Paquetá" para isso - mas não menos ideal para quem está só se perder na melodia e no compasso de Camelo, como acontece em "Fez-se mar" e nas reflexões e nos gritos de Amarante, caso de "Condicional". É outro álbum para ser ouvido mais de uma vez sem o desgosto de ficar enjoado. Ouvir e assimilar os diversos detalhes melódicos escondidos e simples apenas numa primeira audição.
Um dos únicos momentos de explosão desta vez é num trecho de "É de lágrima", última faixa do disco, que conta com uma passagem gritada de um rock quase psicodélico, como num último grito, feito pequeno tchau para o passado tão distante de uma banda iniciante. Tudo para fechar com chave de ouro essa jóia singela, bela e triste que é "4".
18 julho 2005
Voa Jorge, voa Lula e voam maletas!
Eu gosto de futebol também, é claro. Que mal há em acompanhar este esporte tão nosso, não é mesmo? Mas eu gostaria mesmo era que o país tivesse um meio-de-campo mais eficiente na administração pública, uma retaguarda mais defensiva contra o capital estrangeiro e um ataque mais operante em busca de melhores benefícios comerciais. Nossa, tô parecendo o presidente Lula num palanque - ops! num pronunciamento à Nação - usando sem mágoas o nosso tão querido e vasto vocabulário tupiniquim de jargões futebolísticos. Mas eu não sou ele não. E ainda não sei se dizer isto é vantagem ou se me gera alívio.
É, minha gente, penso nisso e assim mesmo. Está muito cedo para dizer, apontar, falar seja lá o que for. E se é para começar a varrer a sujeira que está debaixo do tapete, é bom que varram não apenas as bordas, mas o centro também. Os anos anteriores à gestão atual para ser mais claro.
Agora é hora de espera. De ligar a tevê e torcer o nariz até para a cara de profissional competente do William Bonner e da Fátima Bernardes. Aliás, será que a Fátima está torcendo o nariz com tamanho empenho para o caso Daslu? Dúvida cruel. A verdade é que fiquei impressionado com as imagens "exclusivas" que a Globo conseguiu da ação da Polícia Federal. Quanta agilidade, não?
Bom, já ia me esquecendo do que falava. Ah, do novo "Lulinha Inferno e Dor". Pois é, meus queridos, muita calma nessa hora. Calma porque eu vou é ouvir um som gostoso do Jorge Ben. Aliás, nem vejo show dele por aqui. Deve estar na França, assim como o nosso presidente-star-internacional. É o ano do Brasil lá na terra da Sorbonne, né? Salve Jorge! Vai ganhar o seu porque você é filho de Deus também. Jorge Ben e outros artistas que estão no velho continente, fazendo a música brasileira ecoar por lá. Muito bom. Ano do Brasil na França! Bonito, não? Pena que não seja o ano do Brasil no Brasil.
13 julho 2005
Meu reino por um reino maior que o meu
Só que não me conformo com isto apenas. E até sei bem que isso me satisfaria por momento, mas logo iria achar que poderia ter ido mais além. Mas além do que, meu Deus? Eu, este ser tão pequeno que se refere à Deus usando um pronome possessivo? Uma lástima isso. Descem desesperos e lágrimas só minhas no meu travesseiro, portanto. E logo o dia vem novamente. Vem mesmo?
Vem nada. Vêm minhas perguntas de sempre e a atuação prevista: ora estudante comprometido, ora familiar presente, e até amante que parece buscar a perfeição do mundo de Eros. Tudo atuação, culpa da vaidade deste mundo vão. Tudo é vaidade, não é? O mal do século é a solidão, não é? Caramba, até os clichês me servem de desculpa ou pretexto. Será que servem? Para que então?
Nada serve. Eu não sirvo. Os dias só têm minha barriguinha cada vez maior a empurrá-los. O que mais a oferecê-los? Continuo com perguntas sem respostas, com os problemas que são só meus. Só meus, entendeu? Fique com os seus, oras. Eu quero é deixar estar, uma rede de algodão doce, uma estrada mais longa e uma vontade de segui-la que hoje vem tão minúscula. A vontade vem bem menos do que antes. E olha que ela há tempos é tão pequenininha quanto minhas virtudes.
Estou cansado e penso que quero muito, demais. Querer não é pecado. Mas o que é pecado, meu filho? Hein? Diz aí pra mim que eu te compro um sorvete. Resolver os seus medos jamais. Já tenho os meus e eles dóem tanto que você nem imagina. Vamos sentar numa mesa juntos, conversar sobre outras e outros, sei lá. Mas sobre os problemas não. Hoje só quero deixar estar. Já lhe disse isso, não?
Olha eu querendo mais coisa. Que coisa, não? Culpa da globalização, culpa de uns "ismos" que colocaram na minha cabeça e no bolso de outros. Culpa, culpa e culpa. Mas a culpa maior é do Nietzsche que arruinou os conceitos intocáveis de sempre. E a culpa é também do desgraçado que achou que o Elvis morreu. Na tevê tem um monte de gente dizendo que ele está vivo! Mas quando mudo de canal o que me aparece é um hippie aposentado dizendo que o sonho acabou. Em quem acreditar? Hein?