Priscila nasceu para ser a exceção à regra. Os pais, que esperavam por menino, nada fizeram para evitar as combinações disponíveis em verde e azul para as primeiras roupas. Talvez seja a razão da natureza contraditória que cedo se manifestou na sua vida. Podia ser sórdida e dócil, com a delicadeza dos brutos. Se mulheres viessem ao mundo com um manual de instruções, ele fracassaria com ela. Priscila é, até hoje, o exemplo maior da espécie feminina que vigora no século XXI. Nunca vi força semelhante capaz de chicotear na cara dos teóricos de plantão que mulher reúne o sim e o não. Depois dela fico até envergonhado em reconhecer que homem é bicho reduzido e maniqueísta, água ou vinho. Elas, só elas, são capazes de misturar o sagrado ao profano, Foucault com You Tube, spinning e pilates.
Algumas verdades do senso comum se desmancharam em mitos. Ir ao banheiro em grupo. Para Priscila, banheiro era o lugar de estar só, na intimidade em fuga de um mundo com bilhões de formigas. Mas, quando viu no cinema a executiva convicta recolher-se no toalete da empresa em que trabalhava para berrar toda a raiva que em silêncio cultivava cirroses, considerou aquilo tão ridículo que readmitiu a idéia do bando para a fofoca do pipi. Anos depois a questão ganhou asas comerciais, banheiro feminino virou nome de site e ela esteve certa de que o fim dos tempos estava próximo.
Se a moda prenunciava o uso de scarpin, ela arrancava as galochas do fundo do baú e causava alvoroço na rua. Todas as atitudes indicavam que tinha maneiras próprias de se colocar no mundo. Feliz por não ter nascido na época da sua bisavó, compreendia o casamento encomendado e os crochês pelo resto da existência como males evitados pelo tempo e pela ordem de chegada dos espermatozóides nos óvulos, que desviaram a sua existência da era Cenozóica para que pudesse desabar de pára-quedas no mundo dos homens que assumem sem remorsos o ofício de babás. Seu mamão com açúcar predileto era perceber que sexo não é mais aula de anatomia e que ninguém pensa em apedrejar a Madonna.
Quando nos conhecemos, ela implorava por um Engov em algum bar que fiz questão de esquecer. Organismo recomposto, o perfil “eu sou pós-feminista” foi tudo o que captei. Feito macho moderninho, concordei com todo o liberalismo: a cabeça pra cima e pra baixo diante da autêntica Amélie Poulain na contramão, a do contra. Gargalhada feroz foi resposta que doeu nos ouvidos. Eu, o macho altamente desesperado por um manual de instruções, fiquei sem graça. Ela, atrás dos imensos óculos de mosca, se virou e foi embora para nunca mais.
Guardo lembranças daquele ser que daria orgulho a Darwin. Fui para casa, recolhido, insignificante e perdido ao lado de tantos reduzidos e maniqueístas que perambulam por bate-papos virtuais. Hoje, o cenário invertido e tudo, tenho amigos companheiros nas idas ao banheiro masculino. Nada das velhas piadas machistas. Conversamos sobre Priscilas e suas charadas. Todos me garantem a permanência de duas verdades imortais: mulher nenhuma espera ser chamada de engraçada, nem perguntas sobre quantas primaveras carregam nas olheiras e rugas.
Que desgraça! Priscila já dobrou trezentas esquinas depois daquele dia, aderiu e abriu mão do bando do pipi outras trezentas e nós teimamos em escrever outro manual.
2 comentários:
bom, acho que nesse caso ai eu sou escolado em implorar ao alto ou ao baixo mesmo, um manual simples.
ainda ontem no enterro da vó de um amigo (deus nos livre dessa experiencia) me disseram que todo homem para amar uma mulher, tinha que ler esses livrinhos romanticos retrogados de nome composto, desses que se encontra nestas bancas sujas que vendem cartão telefonico a um preço absurdo.
E foi ai que sem demora eu respondi de pronto: " e toda mulher pra amar um cabra tinha que ficar uns 30 min. por dia no redtube ou no youporn pra pegar umas manhas terápicas com a Heather Brooke,Sylvia Saint ou a Julia Bond."
uma ajuda de um lado e o outro de outro, mas eu ainda quero o manual. excelente Bruno, excelente.
Postar um comentário