O cinematografado Truman Capote foi um “fotógrafo literário”. Reza a lenda, Capote lembrava de 95% das respostas dadas pelos entrevistados. O astro do romance de não-ficção era um gravador ambulante. Morreu em 1984 e, pelo que lembro, nunca participou de nenhum concurso de memória.
É verdade que essa matrona fugaz, a tal da memória, está na moda. A chamada primeira idade anda se arrepiando com a chamada terceira idade, toda vez que o Globo Repórter pára de filmar Pantanal e Amazônia para falar da ascensão do mal de Alzheimer. Ninguém quer esquecer nada. Na corrida pelas informações fáceis e apressadinhas, fast food mesmo, os esquecimentos sobram. E há um punhado de gente dizendo que isso é mal de brasileiro, o da memória curta. Que os caras pálidas daqui esqueceram o mensalão, a maleta, o Lula vermelho e o Chico Picadinho.
Há outras rabugices. Enquanto eu e você desejamos infinitos gigabytes, os mais antenados intelectuais tremem com a falta de perspectiva histórica da nova juventude. Certa vez, o educador Mário Sérgio Cortella fez seu mea-culpa, atacando os adultos de hoje, os jovens dos anos 70. Segundo Cortella, o desprezo da juventude dos anos 2000 pela infância que tiveram, aquela do esquema Bambole-Xuxa-Atari-Playmobil, dá um salto fantástico toda vez que os papais murmuram um “ah, rapaz, eu é que tive infância, viu?”.
Lembro de ter jogado um bocado de videogame e lembro do He-man, aquele que tinha a força. Não sei se o peão e mais bolas de gude fizeram falta. Sei que havia mais tempo, inclusive para lembrar. Mas, hoje, com tantos percalços, as memórias estão mais pequeninas e sem socorro que os chips mais nanicos e aclamados. O quê eu estava falando mesmo?
Deixem de lado Capote, o guru da memorização. Um João Antônio e outros inquietos foram os que saíram do lugar-comum da nossa imprensa repetitiva e vendida. Ou, ainda, os que enfrentaram a memória e a ela se agarraram. Foi João quem disse: “Há no país uma classe de homens sem remédio, os de memória. Tachados de saudosistas, chinfrins e velhos precoces, acabam falando sozinho”. Está certo, João! Foi falando “sozinho” que você nos deu doloridos testemunhos de que a memória é coisa que habita cada indivíduo, pois faz doer e alegrar em cada um. E porque é memória.
No caso brasileiro, repetir que “somos um país sem memória” é como dar um pontapé na bola e se retirar de campo, deixando o jogo para os esquecidos. Há outras duas desgraças além do chavão. A primeira é acreditarmos vagamente que memória apenas tem alguma coisa a ver com a decoreba dos vestibulares ou com as capacidades impessoais dos pen drives indispensáveis. Mas, a segunda desgraça dói mais. Está certo que um universo inteiro das nossas ruas e campos não será (não foi?) inscrito na História. Ou seja, não será História. O pior: não há (não houve?) nada minimamente humano que caberá nas colunas dos jornais com seus clichês ou, ainda, na virtualidade dos badulaques digitais. Os esquecidos são estes, os dispensados, para quem sequer revival ou momento-nostalgia haverá no espaço de armazenamento. Os humanos são gigantescos. E são imemoráveis.