01 janeiro 2006

Ninfomania de A a Y

Oito da noite de São João, chuvinha fina no asfalto da Avenida Brasil e Antônio quieto diante do copo que acabara de esvaziar.

- “Ô companheiro! Desce mais um desse!”

A vida passara rápido para nosso Antônio. Naquele anoitecer continuava a ser mais um num mar de antônios e se embriagava disfarçando nada querer comemorar. Não pretendia celebrar uma vida curta, enquanto não se dava conta de que passara longe de ter sido pequena. Nascido no São João de 45, chegava aos sessenta caído e penoso de si mesmo.

Mulherengo de carteirinha, Antônio se apaixonara inúmeras vezes. Sua parceira fiel, no entanto, havia sido sua agenda de bolso. Nela, os nomes de todas transeuntes pela sua juventude estavam rabiscados, de A a Z.

Quanto fez outra careta após outro gole de pinga, da boa, da branquinha, Antônio se amargurou mais em lembrar que todos os momentos foram cheios de gozo, todas as mulheres com o poder que só elas têm nesse mundão do Deus bom e todas com um “que” de defeito fatal.

Lembrou-se de Dora, a estudante de Direito que era uma mestiça danada. Rebolava mais que chocalho aceso. Uma ninfeta. Dedicou deliciosos momentos no passado ao nosso desolado amigo senil. Pena que daquele tempo Antônio só recordava de uma coisa de Dora: uma bêbada que botava tudo a perder. Sempre.

Também lembrou-se de Catarina. Mulata bem desenhada, seios fartos e empinados. Enchia Antônio de carinhos, mas tinha uma boca que fedia a cinzeiro de rodoviária. Num belo dia, em campanha antitabagista, ele esvaziou de vez este cinzeiro dos beijos seus. Para sempre.

Por fim, na cadeia de lembranças da fileira de mulheres do passado, recordou-se de Inês, outra mestiça. Exótica e desleixada Inês! Tão assim que de tanto comer chocolate criou mais tecidos adiposos em si do que gemidos de prazer em Antônio.

Com o bar a expulsa-lo, nosso aniversariante se retirou, receoso também de que sua nostalgia o matasse de saudades em pleno júbilo. Antes de finalizar os flashbacks, ainda na Brasil, lembrou-se de um fato. Todas elas, sem exceção, também não souberam conviver com uma obsessão sua: o sexo.

Isso era um dado novo, sem dúvida. Antônio, desgostoso eterno com os vícios e compulsões das mulheres, se dava conta de que não era imune a tal apetrecho da vida de qualquer ser. Tinha sua própria obsessão e ela atendia pelo nome de sexo.

Lastimando ser igual ao mundo, entrou em seu apartamento. Embora entendesse agora que não era vitima dos exageros delas, mas do seu também, tinha o que comemorar. Tinha seu vicio e, diferente de muitos infelizes que morrem sem desfrutar dos seus, havia penetrado em mais corpos que o Rei Salomão.

Pronto. Não havia do que resignar-se. Deitou as “putas tristes” de lado, apanhou a velha agenda e buscou um nome que nunca consultara.

Lá pela zona dos zês estava ela. Lá, figurava Zélia. Talvez a única não vitimada em sua existência pelo apetite sexual do nosso aniversariante.

Sorridente, Antônio sentiu-se como no São João de 68, quando na Brasil não chovia. Caçou o telefone e discou sem pensar o número de Zélia. Havia uma batalha a ser vencida. Um último gole para sua compulsão vertiginosa.

Aguardando ser atendido, com o telefone ainda em mãos, se viu diante do espelho. Foi nessa hora, entre os bastidores e a entrada no front que lhe aguardava, que babando no guincho aproveitou para dizer para si mesmo:

- “Feliz aniversário Antônio. Feliz.”

Um comentário:

Anônimo disse...

eu já tinha lido qdo vc me mostrou...
não preciso dizer nada? é tão bom ter um amigo com um talento desses! tenho orgulho de vc, sabia?

bjooooos, miguxo!
e manda bjo pra ju linda
;*******


dolce